Crônica: a poesia do cotidiano
Um texto semanal com até três mil caracteres, uma experiência do cotidiano, uma reflexão, uma crítica. Pronto, temos uma crônica. Histórias de amor, nostálgicas, inusitadas ou engraçadas – também são temas para os leitores que não têm tempo para textos longos e didáticos ou que, simplesmente, buscam uma conversinha com o escritor, ali no meio do jornal, por pura falta de assunto. Aliás, até falta de assunto pode virar uma crônica.
Na crônica, o escritor narra e interpreta a história afetivamente. O leitor, então, passa a ver pelo olhar do cronista e da sua maneira de escrever a vida. Uma grande responsabilidade para quem escreve, concorda? Como escritora-jornalista-crônica desde sempre, trago para o gênero os mais variados temas, selecionados de anotações antigas e/ou mais recentes, como forma de ir atrás desse leitor, nem sempre um consumidor de literatura, mas que pode ser assinante de um impresso ou, ainda, alguém que distraidamente folheia uma revista num consultório, por exemplo. É um texto sem endereçamento e público certos, portanto. Gente que pode ser seduzida na distração.
O vício de ler e escrever crônicas levou-me à produção do meu quinto livro: Invernos, uma seleção de quarenta textos do gênero, com temas e sentimentos livres, quase um atrevimento para quem vive um cotidiano comedido. Felizmente, a arte literária me permite dialogar com o leitor e fazê-lo meditar sobre suas dores, alegrias e superações, sem perder o jornalismo da literatura. Porque, no final das contas, “o leitor quer (no jornal) encontrar um pouso, uma conversa”, escreveu certa vez Clarice Lispector, que fez da crônica também uma forma de sobrevivência.
Invernos tem a dose de lirismo impressa em crônicas breves, de vivências pessoais e de outros personagens, descompromissados com a realidade e veracidade dos fatos e de quaisquer precisões narrativas. Em outras palavras, a memória, o tempo e a emoção são os grandes espaços da crônica no livro, cuja percepção do leitor também se altera à medida que Invernos Meus e Invernos dos Outros se confundem, ressignificando vivências e rememorações afetivas.
Aparentemente fácil de escrever, a crônica exige curiosidade e imaginação para construção da narrativa. Nesse sentido, a leitura sempre foi ferramenta fundamental na percepção e re(encontro) com personagens. Sobretudo a leitura das obras de Rubem Braga e sua poética cotidiana, cujos recursos literários transpassam o simples fato de narrar. Com sua escrita minuciosa e peculiar sobre o cotidiano e a vida, consagrou-se como um dos mais notórios representantes do Jornalismo Literário no Brasil, gênero que foi objeto de estudo do meu primeiro livro – em parceria com o jornalista Rondinelli Tomazelli – “O Jornalismo Literário de Rubem Braga na Guerra”.
O despojamento verbal, o diálogo muito próximo com o leitor e o poder de projetá-lo para além do que foi escrito, garantem a perenidade da crônica, fazendo-a transcender o momento efêmero e o espaço descartável nas páginas impressas. Ao longo de quase trinta anos, a crônica se tornou para mim uma necessidade de expressão, um exercício diário da escrita, minha forma de existir. Invernos é uma obra a muitas mãos, uma leitura quase coletiva da vida, onde pude caminhar, enfim, por um universo poético de mil interpretações e sentimentos, onde a objetividade factual – cara aos métodos de redação jornalística – cede lugar à curiosidade do leitor pela travessia dos invernos da autora e de seus personagens. No final, não é para isso que a gente escreve?