Também te Amo, Vaca!

Eu abri a porteira, todo animado (era meu primeiro dia de prestação de serviços naquele sítio, àquele mês) e avançando com o meu carro, um velho Corsa, olhei para frente e a vi, deitada ao pé do barranco, do lado direito da estrada, uma suave subida. Passei bem devagar ao seu lado e ela nem se importou. Virou um pouco a cabeça em minha direção e me olhou sem nenhuma emoção, apenas (pensei) registrou a minha lenta passagem.
Cheguei ao terreiro da casa, estacionei e abrindo o porta-malas, catei minhas ferramentas. Fechei o carro e segui para o meu setor de trabalho daquele dia. Passando pela báia, vi o patrão alimentando os cavalos e perguntei-lhe o que se deu com aquela vaca deitada, próximo à porteira de chegada. Ele me informou que a mesma havia caído do barranco e fraturado uma pata traseira, e que seria sacrificada, ao fim do dia.
Intreti-me com meu trabalho e somente algumas poucas vezes pensei na situação da vaca. Mas, às 13 horas, eu estava iniciando meu intervalo de almoço, quando o patrão me pediu para descer até à sede, tomar um balde grande e acudir o referido animal, aliviando a sua sede.
Chegando ao local do acidente, me aproximei do bicho. Falei algumas palavras, com carinho e respeito, afaguei-lhe a testa e o pescoço, delicadamente. Um tremor da sua pele (colorida em branco, preto e amarelo) me fez perceber que ela registrou o meu toque. Retirei alguns ramos que lhe incomodavam a cara, molhei minha mão na água que levara, lavei o grosso suor de seu focinho e aproximei o baldo dàgua.
Ela sorveu vagarosamente, todo o conteúdo da vasilha, abanou as orelhas e eu ainda lhe perguntei;
_Você quer mais água?
Essa pergunta, desnecessária, eu fiz em voz alta, enquanto lhe alisava o pescoço e lombo.
O animal agitou a calda suavemente, talvez para espantar algumas moscas inconvenientes que lhe sondavam a parte inferior do rabo (calda). Olhou para mim com seus grandes olhos e eu pude notar (e jamais me esquecerei) o tom brandura e gratidão naquele olhar. Por um longo instante e fiquei enternecido e, sem a intenção, me ouvi expressar, à meia voz; _ Por nada, querida. Eu também te amo, vaca!
Peguei o balde, saí sem olhar para trás e voltei aos meus afazeres. No dia seguinte eu recusei, educadamente, o grande pedaço de carne que o patrão me ofertou.


 
( Pardon )
Enviado por ( Pardon ) em 28/08/2019
Reeditado em 28/08/2019
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