UM DIA

Hoje acordei mais cedo que de costume. Mas não foi tão cedo quanto boa parte das pessoas. Quando a gente acorda bem cedinho, o dia fica comprido e sobra tempo para tanta coisa, que a gente nem sabe como preencher direito. Poderia ter feito uma caminhada pelas ruas do bairro, mas já estava um pouco tarde quando me veio essa ideia. Poderia ler um ou dois capítulos daquele livro que está jogado ali sobre a cama há tempos, mas bateu certo desânimo e deixei ele lá por mais alguns dias. Poderia, poderia ter feito alguma coisa, mas não fiz. Talvez acordar cedo não me tenha servido de nada, então. Ocupei o tempo extra nas redes sociais, como tenho feito até mesmo com o tempo que não tenho. Que vício!

Depois de um banho sem vontade e um café simples, sai de casa rumo ao trabalho. Um trabalho também simples, que preenche o resto do meu dia. A caminho, fui olhando para tudo como quem nunca tivesse visto nada. Talvez daí resulte a graça da vida. A novidade de cada coisa, de cada detalhe, de cada pedaço da criação. Sombras de nuvens num céu quase limpo, o sol que ainda é tão novo, mas já está brilhando com vontade, os pássaros recém saídos de seus esconderijos, as luzes dos postes que se esqueceram de se apagar e permanecem acesas (uma leve definição de abandono).

No período das chuvas o igarapé se transforma num pequeno lago; agora, no período de estiagem, ele é apenas um córrego e a vegetação toma conta de tudo, uma pequena imensidão verde, antítese de uma época e de um sentimento. Ainda gosto de passar e olhar demoradamente para os lados, à procura de aves que acaso venham pousar nos galhos de pequenas árvores. São brancas em sua maioria, mas algumas destoam um pouco e transformam a paisagem num mosaico de cores. Se eu não prestasse atenção, seria uma imagem perdida. Sei que muitos que ali passam, não a veem, e perdem um belo espetáculo, a chance de terem um dia mais bonito.

Depois o dia vai correndo normalmente. Entre um trabalho e outro, alguma coisa para aliviar o fastio de sentir-se obrigado a fazer algo. A obrigação mata o prazer. Não conseguimos nos sentir bem fazendo algo por obrigação, não importa o que seja. Então, nesse ínterim, tento fazer algo prazeroso, tipo ler um poema ou uma prosa, ouvir uma música que fale com minha alma, assistir um vídeo engraçado no celular, escrever uma lista de coisas que eu nunca farei, mas que vivem num sonho dentro de mim, conversar com quem queira conversar, sobre qualquer assunto sem importância (esses são os que eu mais gosto), sorrir e observar sorrisos, viver os segundos de um jeito bom.

Quando chegar a tarde, e eu estiver indo para casa, sobre aquela pequena ponte, vou poder olhar o sol se pondo no horizonte e lembrar de uma menina que gosta de olhar o pôr do sol, vou pensar no sorriso dela e terei um mundo em minhas mãos, um mundo repleto de júbilo e fantasia. Não vou querer mais nada, nem esperar que a vida resolva tudo, estarei completo naquilo que me falta e feliz por viver nesse tempo, nessa época em que ela vive. Estarei feliz por saber que ela está em algum lugar, respirando a vida e sonhando com coisas boas. Ela é o nascer do sol, ela é o pôr do sol, ela é a inspiração de todos os meus dias.

Amanhã talvez eu acorde mais cedo ou mais tarde, não importa; acordar já será um lucro. Aceito, agradeço e vivo a felicidade de estar vivo.

João Barros
Enviado por João Barros em 28/08/2019
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