Viagem a Terra do Nunca (Roda vida, roda gigante...)
Viagem a Terra do Nunca (Roda viva, roda gigante...)
Recife é uma cidade prenhe de pontes. São tantas que fica parecendo que pra todo lado que você vai tem uma ponte pra atravessar...
A cidade em que Maurício de Nassau viveu no século XVII, causando furor com a apresentação do soberbo "boi voador", também tinha a menina Stalina.
Sim. Eu namorei uma moça cujo nome era Stalina.
E pasmem! Além de possuir esse nome tão pouco convencional nessas nossas plagas pouco receptivas a nomes oriundos do Leste europeu, a menina ainda tinha duas outras irmãs de nomes nãomenos explosivos, Dolores e Olga.
Claro que a primeira, a Dolores, foi uma homenagem paterna a heróica "La Pasionaria", e a segunda à não menos emblemática Olga Benário.
Fico aqui a imaginar a cabeça cheia de sonhos revolucionários do pai dessas três meninas, um utópico Severino, de vida idem, seguidor das ideias libertárias de Miguel Arraes na guerreira terra dos Guararapes...
Bem. Voltemos à nossa Stalina, a minha namorada de nome, no mínimo, exótico.
Também estranhos e rasgados, como os olhos quirguizes da Clawdia Chauchat, eram os olhos de Stalina, a moça que eu namorei durante os anos em que morei na charmosa capital de Pernambuco.
Estávamos, nós os brasileiros, vivendo aqueles dias malucos dos "fiscais do Sarney", aquele camarada que escreveu um livro intitulado "Marimbondos de Fogo", cujo paletó parece eternamente demodée, assim como o preto postiço dos seus cabelos.
Todavia, vamos escapar desse bigode assustador e retornemos às estranhezas infinatamente mais aprazíveis dos olhos quirguizes e das curvas perigosíssimas da minha Stalina.
Eu amava ficar ao pé dela, durante longas horas, a saborear aquela forma deliciosa de escandir as palavras com sua bonita voz, a qual, por si mesma, já me fazia carícias pra lá de sensuais.
Como eu fui dar com os costados em terras maurícias?
Vamos alinhavar essa momentosa historia: após o ruir da ditadura militar o Brasil entrou numa crise que parecia não ter fim, e este sertanejo aqui recebeu uma oferta de trabalho em Pernambuco, um estado onde nunca havia posto os seus inquietos artelhos. Chegando em Recife, aonde encontrei um pessoal dos pampas muito farrista, fui logo tratando de me enturmar com a feérica atmosfera da cidade, na qual parecia estar em festa todos os dias da semana.
Num desses dias de festas, estávamos, eu e os rapazes farristas do Sul, num barzinho com música ao vivo na vizinha Olinda, e na mesa ao nosso lado três mocas tagarelavam, trocando figurinhas entre si. Eram as duas irmãs, Dolores e Stalina, e mais uma outra menina.
Não demorou muito pra que a moça de olhos exóticos e eu fôssemos tragados pelo som tantalizante da zabumba, secundando uma imponente sanfona, num forró bem apimentado.
Hoje, passados alguns lustros, me volta à memória a letra cantada por aquele trio de músicos na noite olindense: "Zé Matuto foi a praia, só pra ver como é que é... mas voltou ruim da bola, de ver tanta rabichola nas cadeiras das mulé..."
Nessas alturas a minha cabeça já não estava muito diferente daquela que Luiz Gonzaga cantava, pois que perdido eu me encontrava no cheiro bom que emanava dos cabelos negros de Stalina, e nos requebros típicos que ela engendrava, a acomponhar o ritmo enlouquecedor daquele forró.
Num determinado ponto da noite, sem prévia combinação, largamos o baile e fomos nos esgueirarmos para a convidativa e conspiradora noite de lua cheia que iluminava a praia apinhada de pedras e nua de gentes, bem em frente ao barzinho em que estávamos dançando, onde uma dessas pedras em formato de concha, como um altar dionisiaco improvisado, parecia ter sido encomendada pra nós dois.
E essa pedra, estrategicamente trabalhada pelas intempéries, como um primitivo leito nupcial, providencialmente acolheu o nosso já incendiado desejo...
Sim, o nome exótico que essa menina recebeu lhe fazia plena e inteira justiça.
João Bosco