Vida lutuosa
Peito desértico, dores profundas jamais sentidas, nunca vistas por seres pensantes. Na gruta da vida, estalactites presas ao céu e as estalagmites cortam a pele fraca no chão. Correr, ultrapassar os sonhos, querer chegar logo ao pódio, sede de conquista. Mas a derrota é a sina que está à vista. Como algodão, o peso nada suave é camuflado de suavidade. Tudo dói por dentro. O sorriso nos lábios são máscaras verdadeiras, contrações musculares involuntárias. Se o corpo fosse obedecer à alma, os olhos verteriam para o chão e o coração pararia de pulsar.
Os dias andam, os meses passam e o ano arrasa. Como a duração de um ano pode ser massacrante e dolorida! Tudo voa como plumas e não há solo capaz de acolher tais penas. Soltas nos ares sempre voam, sempre, sempre, pois nunca para de ventar. O vento sopra perpetuamente, perenemente da garganta de um fosso fosco. E mesmo com a chuva, mesmo com as lágrimas celestes, não há consolo. Não há mudança na trajetória das plumas. Não há outros caminhos, não há volta. Querer o futuro e negar o passado e matar o humano do ser.
Os olhos que outrora viram luzes, os lábios que traziam sorrisos, hoje, lançam desdém. A vista se esconde de ódio ou vergonha. Tudo em ordem dentro dessa nau, tudo em ordem dentro do caos, poeta! Maldita vida vitalícia, vita, vitae, vitae, vitarum. Benéfica morte que nos dá a paz. Bom é quando vemos o intruso entre estacas? Medo da morte? Clamam por ela, não para si, mas para indesejados que nos despertam do sono do sonho. Não se pode ver TV. A ira faz parte do homem e quanto mais alimentada, mais forte. Ter raiva é preciso e bem fácil. Aceitar que um dia se amou é difícil, quando esse amor ainda existe.
As cores dos dias modulam como uma canção destoante, ora azuis, ora negras, ora róseas, ora vermelhas... Feliz é a noite que só possui um único traçado negro... mais escuridão que brilho. As estrelas e a opaca lua (dependente do brilho alheio) não conseguem enriquecer os céus de luzes. Há apenas fragmentos, pequenos luzeiros, ao menos esperança de brilho. Bilhões de estrelas de uma láctea via entre bilhões de galáxias em que nem se cria. Espelho (im)perfeito da raça humana, impregnada de escuridão; às vezes, deixa as estrelas iluminarem um pouco, bem pouco.
Deixar o avesso do branco ocupar todo o nosso ser não é escolha ou desejo, é a natureza eterna dos homens. A primeira manifestação do sentimento humano é a dor, o romper dos pulmões em um grito infante, acalentado pelos lacrimejantes olhos maternos. Ter momentos de luzes, de estrelas nesta vida são os instantes em que a regra é rompida. O homem nasce com o choro e finda sua estada terrena com lágrimas. E quando essas águas oculares não são vertidas pelo próprio rosto, outros olhos se encarregam de derramar sobre o esquife o rio necessário.
Bom é fechar os olhos e sonhar. Ainda que abstrato, o sonho é capaz de verter todas as lágrimas do princípio e do fim em um rio cristalino, cuja correnteza leva sempre a um mar. Campo azul de sais que permitem ao dia transformar o negro da noite em uma cor que traga, no mínimo, esperanças. Vida lutuosa, fé em um céu que é negro e azul...
In: Ler-se(r), 2016, p. 22.