O Hermitão

Sem nome, sem documento. Barba de tamanho invejável, amarelada pela vida, mas tem quem diga que é pela falta de cuidado, assim chegou um moço lá no hospital, de SAMU, eu acho.

Ninguém gosta de ficar em hospital, a não ser minha vó, se não for pra ficar internada, ela nem sai de casa. Agora pensa um sujeito que vive solto, livre, correndo pelo centro caótico da cidade. Hospital é prisão, tortura.

Eu tava de acompanhante, madrugada, zero sono. Não sei se de preocupação ou porque a cama era uma cadeira de plástico dessas de festinha. Cheguei na porta que dava pro corredor e ele passou acelerado, o Hermitão.

Foi a primeira, das centenas de vezes que ele passou pelo corredor. Cada um deu um nome pra essa figura. A impressão é que ele não gostava de ninguém, eu também não gostaria se me prendesse.

Não tinha enfermeira que aguentava acompanhá-lo nas corridas, trocar o soro era um custo, manter ele no soro era pior ainda. Corria o hospital carregando sua medicação e procurando uma saída.

7 da manhã, hora do remédio.

Alguém viu o maratonista? Quem, o Hermitão? Guardinha chama no rádio lá do outro lado do hospital. Tinha alguém tentando fugir, sem muito sucesso.

Tardezinha, última bolsa de soro, não sei se chamam de bolsa, deixa assim. Hermitão passou a milhão, portão aberto, tacalepau, ninguém nem viu. Essa hora deve tá bem longe, comemorando sua fuga espetacular.

Hermitão recebeu alta, mas nem sabe. Fuga é fuga.