Depois que ele pegou sua bagagem de mão e se despediu sem direito a reclamação em órgãos de defesa do consumidor, afinal custou caro manter aquele relacionamento de mão única numa rua sem saída, ela ficou com as lembranças que a perseguiam cada vez que adentrava a casa e tentava reencontrá-lo na poltrona da sala, de pijama listrado, com uma manetr de vídeo game e um litro de refrigerante de cola. Era viciado em açúcar, como era também em jogos eletrônicos e vida cibernética. Não seria propaganda enganosa a oferta de um amor pra toda vida, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da vida? A lei da oferta e da procura no campo do amor líquido transforma vinho em água, sem gás, sem sabor. Vida que segue como num computador já ultrapassado. Os dados vão sendo formatados lentamente, na tentativa de manter os arquivos mais importantes sem danificá-los. Tão cruel quando um desiste de recuperar as pastas. Tudo bem que a máquina já não andava lá essas coisas, mas simplesmente resetar, como se não fizesse diferença a construção do dia a dia. Do lado do sofá da sala, simulando tamanho real, a imagem que marcou o início da operação. Tirar o retrato da parede? Parecia tão urgente aquela atitude. Retirou o quadro, tirou a foto e ficou ali pensando que da parede do seu coração não tiraria os pregos sem sangrar e deixar à mostra as feridas.

(Crônica Indireta)
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 20/08/2019
Reeditado em 20/08/2019
Código do texto: T6724764
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