O PODER DA ABÓBORA
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Encontramos uma abóbora enorme no paiol.Os ratos já lhe haviam devorado quase todo o interior e o pouco do que restara,meus amigos e eu,nos encarregamos do trabalho.
Não demorou e o par de olhos mais um bocão enorme foram esculpidos na casca alaranjada da dita cuja.
[ As tres velas já haviam sido surrupiadas do armário de dona Dida ]
Vamos dar um baita susto no Lídio quando estiver cruzando seu caminho! Proferiu um dos pervertidos, sendo avalisado em massa pelos demais.
Lídio, que ao sair do trabalho costumava fazer "uma boquinha" num dos bares do lugarejo, fazia o caminho de volta pra casa já noite a dentro e, por vezes, meio alto do chão .
Cai a noite de julho com todos os seus encantos. A rua do Fomento cheira à batata frita ,porém , nem os "ares de janta" são capazes de abortar a idéia da piazada.
Cuidadosamente a abóbora é instalada no mourão da porteira por onde inevitavelmente haverá de cruzar o inocente trabalhador.
Ascendem-se as velas !
Recuamos a uma certa distância para apreciar "a coisa".
Pensem em algo tétrico ! macabro !
Era uma cabeça humana ardendo em chamas.
A noite é fria e escura.
Lídio, em passos cansados, cabisbaixo ,vem se aproximando.
Meus amigos e eu, agachados atrás das touceiras esperando o desenrolar do processo.
Lídio parece não perceber, quase frustra nosso desejo de desgraça.
De repente !...
Um grito irrompe nas trevas da noite:
-Valei-me minha nossa senhora !
E sai quase em disparada rumo à nossa casa.
Imediatamente apagamos as velas,escondemos a abóbora e fomos adentrando às escondidas,esquivando-se pelo quintal para saber a reação do mais que assustado, o apavorado !
- Jango ! Jango !...Clamava ele pelo meu pai.
[ Seu jango àquela hora, cumprindo seu ritual (tem gosto rta tudo,né?) ouvia a Hora do Brasil ]
Desliga o rádio e vai atender ao chamado do amigo.
Este, quase sem fôlego, relata o que acabara de ver:
- "Hóme de Deus!!! " Fui atacado por uns boi- ta- tás ali na porteira além da ponte ! Quase morri do coração !
Seu Jango, meu pai, fazendo o sinal da cruz:
-Valei-me meu Bom Jesus de Iguape !!! "Cóeças coisa" não se brinca!
[ Nós, a piazada, escondidos no quintal ,quase fazendo xixi nas calças de tanto rir ]
Meu pai lhe pergunta:
-Lídio ! O fogo era verde ou vermelho ?
Em tom irritado Lídio lhe responde:
- "Euquelavôsabê", no cagaço que tive só deu tempo é de vir aqui "chamávocê",amigo véio.
Revestido do herói que julgava-se naquele momento, seu Jango apanhou um porrete e juntos, ele e o Lídio, rumaram para a porteira.
Correndo em paralelo, seguíamos pelas sombras afim de conhecer o desenrolar da estória.
A noite é escura.Cruzam a ponte e o vozeirão de meu pai rasga o breu das trevas:
- Cadê o boi-ta-tá, "seo Lídio "???
A resposta:
"Ué !!! Não vê que o mardito já se escafedeu?
Sorte dele, responde meu pai, porque comigo a coisa é diferente, é preto no branco".E aconselha o amigo: Vá ! E deixe de ser medroso.Leve este porrete contigo e caso o "bichinho" estiver te esperando ao longo do caminho,"erga na bordoada".
Na forma mais angelical de incocentes meninos, adentramos em casa para "apreciarmos" o desfecho do assunto.
Seu Jango, que não aderia muito à idéia de que ficássemos fora à noite,aproveita o suposto ocorrido para impressionar a galera:
- Tão vendo piazada ! O que dá ficar zanzando fora de casa em horas mortas?
Um bando de boi-ta-tás atacou o pobre do Lídio.Não fosse eu , que não tenho medo de assombração, chamuscar meus braços lutando contra aquele fogaréu, ele poderia nesta hora ser um homem morto!
Você recolha-se , disse-me apontando-me o dedo, e os outros chispem pra suas casas.
Minha mãe lhe pergunta:
Credo ! Eram tantos assim ?
- Um monte ! Os de fogo vermelho , que são os vivos, eu os "embolei" um a um. Os de fogo verde, que são os mortos, em prece eu encomendei suas almas a Deus.
Foi aquela fileirinha voando em direção ao cemitério.
Que coisa ! responde-lhe minha mãe.
Internamente , eu gargalhava e pensava com meus botões:
Quanta sacanagem de nossa parte ! Quanta mentira sua ,seu Jango!
Que dó do Lídio ! rsrs...

Joel Gomes  Teixeira