Crônicas de Pai para Filho - O irmão que Tu me deste
Eu amava meu irmão. A minha maneira, eu amava o meu irmão. Dentro do limite do meu egoísmo. E apesar do ciúme que aflige todos os irmãos do mundo, ávidos pela atenção dos pais e de todas as outras pessoas ao seu redor.
Havia muito abandonado a eterna disputa de favorito no coração dos pais. Este era meu irmão.
Mas não lhe guardava mágoa, pelo contrário, era até mesmo grato por isso.
O que poucos sabem, é que ser preterido por causa do próprio irmão, lhe permite viver uma vida sem recriminações e cobranças por parte dos pais.
Afinal, eles não esperam nada de você. Eles apenas desejam que você se limite a ser o irmão menos querido, que se contenta a ter menos atenção, e que deve permanecer na sombra do irmão, sem causar sérios problemas.
Viver de forma mediana, modesta e passável, era para mim, um prazer.
Ter todas as atenções voltadas para meu irmão me permitia levar uma vida sem preocupações em agradar meus pais, avós, tios, e até mesmo amigos da família. Afinal, eu era apenas o irmão do preferido.
Na escola, tinha ele uma legião de amigos, enquanto eu era visto como uma figura desagradável.
Muitas e muitas vezes ouvi das pessoas as mais absurdas ideias.
- Por que você não é como seu irmão?
- Você nem ao menos se esforça em ser um pouco simpático.
Da minha mãe veio a sentença:
- Cici disse que Tarciso é um verdadeiro antipático. Prefere o irmão. ( Cici era mais uma das inúmeras primas de minha mãe ).
Vizinhos e parentes dividiam a mesma opinião.
O fato interessante é que meu irmão era tão, ou mais antipático que eu.
E nessa época ainda não haviam lhe diagnosticado com síndrome de Asperger. A doença não lhe servia ainda de uma excludente de responsabilidades.
Atinei que o problema deveria ser outro: eu.
Tratava-se um caso de ingostabilidade. Eu era ingostável.
Bastava uma olhada de 5 segundos sobre mim, e o observador constatava:
- Não gostei desse cara.
Passei anos assim, agradecendo pela preferência de todos por meu irmão.
Não tinha preocupações nem com amizades, nem com namoros...
Tive um amor platônico uma vez, sem ainda conhecer o significado, mas não deu certo, pois descobri que ela gostava de mim, e eu gostava mais quando não gostavam.
Professores me aprovavam com aclamações apenas para se verem livres de minha presença.
Pessoas me sediam o lugar nos ônibus, para não dividirem o lugar comigo.
Eu vivia feliz, alheio a todos ao meu redor, sempre reforçando a imagem de eterno antipático.
Mas então, um dia, veio a ruína!
Diagnosticado por uma junta tripartite como incapaz de convívio social, meu irmão foi aposentado.
Uma manhã, envolto em um hobby de cetim, e uma caneca de café nas mãos, ele olhou para meu pai e minha mãe e atirou-lhes na face a amargurada conclusão:
- Para vocês, meu irmão sempre foi o favorito.
Minha mãe se esvaiu em lágrimas, meu pai ficou balbuciando coisas sem sentido.
Toda a família foi unânime: como eu pude ter sido capaz de ter feito meu irmão pensar que eu fosse o favorito?
Será que eu não era capaz de ver o mal que lhe causava?
Deixá-lo sofrer, acreditando ser preterido por um irmão tão mesquinho e egoísta?
Virei o centro das atenções. Todos queriam me ver e conversar comigo. Aconselhar-me a mudar a atitude. Queriam que eu mostrasse ao meu irmão que ele era na verdade o favorito.
Mas como?
Não havia toda a minha vida se resumido a uma mediocridade compassiva?
À sua maneira, ele me amava. Após a morte de nosso pai, ele passou a me bajular, a tentar me agradar da forma que lhe era possível dentro da limitação da doença.
Ele passava os dias esperando pelo sábado, dia em que eu reservava para ficar com ele.
A morte veio repentina.
Descobri que no fundo, talvez ele fosse o favorito de todos, mas para ele, eu sempre fui o SEU irmão favorito.
E mesmo sabendo que eu era o único irmão que ele tinha, posso confessar que tenho um orgulho enorme de ter sido o seu favorito.