Ato de confissão
"Eu pecador, me confesso ao padre..."
Como confessar ao padre certas iniquidades que fazia trancado no banheiro e não confessava nem sob tortura de minha mãe? Como confessar a um estranho, mesmo se dizendo representante de Deus, que o milho que dava para a jega no barranco tinha outras intenções? Ora, se Deus sabia de tudo, então para que confessar a um representante que nem crachá tinha? E foi com esses pensamentos que me ajoelhei no confessionário no ato da primeira comunhão. E falei daquilo que devia falar. Da minha mãe que solava meu lombo com o cinto do meu pai por causa do arengueiro do meu irmão mais novo. Dos cascudos que levava do meu irmão mais velho porque não me submetia a ser seu escravo. Do pão que o Diabo amassou que eu tinha que comer todo dia. Se segurava vela, apanhava do namorado da minha irmã; se relaxava, apanhava da minha mãe. Era uma vida sem muitas opções. Não sei se o padre entendeu, não sei se Deus me perdoou. Sei apenas que levei uma surra memorável da minha mãe para não desdenhar das coisas sagradas e mastigar a hóstia consagrada como se estivesse comendo um sanduíche da McDonald’s. E naqueles tempos nem havia McDonald's.
Vai se um dia ela descobre o porquê de minha demora no banheiro...