Vai ser meu amigo sim

Há dez anos eu moro na mesma casa em um bairro antigo da cidade. A maioria dos moradores da rua são proprietários de suas casas, portanto moradores também antigos.

Como uma boa faladeira, iniciei meu contato com os vizinhos antes mesmo de mudar-me pra cá. A casa fica próxima ao cemitério e haviam comentários, muitos comentários, de que a região era infestada por escorpiões, graças a Deus não é, mas o meu zelo materno fez com que eu pegasse a lista telefônica e “escolhesse” um vizinho para dar-me informações. Pois bem, atendeu ao telefone um senhor muito simpático que além de informar-me da ausência dos peçonhentos ainda acolheu-me com gentileza sem almenos conhecer-me.

Retribuí alguns dias depois da mudança. Apresentei-me e comigo apresentei também meus pães de queijo aos novos vizinhos. Passamos a nos cumprimentarmos e a conversar. E depois a visitar-nos e ajudar-nos sempre que necessário.,além de trocarmos guloseimas, é claro.

Assim era também com os outros vizinhos. A vizinha da frente e eu nos socorríamos na "falta imediata de algum ingrediente faltoso" da receita. E conversávamos na porta de casa com direito a boas e altas risadas.

Recebi ainda de outros “presentes” recém colhidos : goiabas, abóboras e hortaliças sempre trazidos sorridentemente acompanhados de uma boa prosa.

Passei a utilizar também os serviços da vizinhança: cabeleireira, manicure, marmitaria, pizzaria, enfim ...a frequentar meus novos amigos e estreitar laços.

A rua toda podia declarar-se “amiga” . Opa! Toda não . Quase toda.

E aí que começou a encrenca. O senhor do escritório ao lado, famosíssimo pelas barbeiragens com o carro, não me cumprimentava de jeito nenhum. Muito pelo contrário, sempre sisudo e emburrado, virava-me a cara . Oras!!! Por quê?!? O que eu havia feito para merecer tal desprezo?!

Passei a cumprimenta-lo diariamente esperando uma resposta. E nada... Dias, meses, anos...

Eu reclamava ao entrar em casa...

_ Não é possível! O que esse velho ranzinza tem contra mim?!? Ah, mas vai virar meu amigo. Um dia eu consigo.

Estava inconformada. E decidida a fazê-lo dissuadir-se.

Foi então que o carteiro deixou sob os meus cuidados uma encomenda a ser entregue nesse escritório.

_ Pronto! Agora eu quero ver! Vai ter que falar comigo...

E montei-me ...

Assim que o escritório abriu fui até lá.

Expliquei com a cara mais alegre do mundo minha incumbência.

E recebi um “rosnado “ obrigado entre os dentes. Definitivamente eu não conseguiria ...Que velho custoso é esse?!

Alguns poucos meses depois ele perdeu a esposa e fiquei sabendo que estava um tanto quanto deprimido. Se a cara não era de bons amigos antes, imagine só depois dessa situação.

Mas arrisquei. Fui prestar minha solidariedade.

_ É a vida! _ foi a resposta que eu tive . E deu-me as costas.

Ah, não ! Agora era demais.

Esperei passar alguns dias e voltei lá. Vai ser meu amigo SIM! Nem que eu tenha que apelar.

_ Com licença ... Sr. “Fulano” , fiz uns pães de queijo ... Bem... Trouxe para o Sr. Espero que goste e não se importe. Está quentinho...

E ele abriu um sorriso de orelha à orelha e me agradeceu . Custei acreditar. Então passou a cumprimentar-me muito felizinho da vida. Ufa! mas deu trabalho !

Cara feia pra mim é fome.

Cléria Barros

Cléria Barros
Enviado por Cléria Barros em 14/08/2019
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