O Assassinato
Quando entrei no prédio "Doce Veraneio" já havia um tumulto de pessoas acumuladas na entrada. Todas comentando sobre a tragédia do apartamento 401, especulando, sabotando, inventando, mentindo. No fim das contas, nenhum daqueles comentários ajudaria a solucionar o caso. Teria sido mesmo suicídio? Ou alguém armou para que parecesse um? A família não estava aceitando a situação. Quem acreditaria que uma jovem garota, bonita como ela, na flor da idade, fosse capaz de cometer tamanha atrocidade? É! A família não estava aceitando.
— Senhor? Por aqui! — disse o jovem cadete que havia sido o primeiro a chegar a cena do crime. Encaminhou-me pelo corredor, afastando os curiosos dos apartamentos vizinhos. Lá à porta, outro fazia a vigília para que nenhum paparazzi sorrateiro entrasse. Eu fui o primeiro detetive a chegar. Meu parceiro estava atrasado, como sempre.
— O que temos? — questionei. Meu olhos rabugentos rodopiando pelo lugar. O bigode robusto escondia o aperto em meus lábios. Havia sangue espalhado pelo carpete, um cheiro de perfume adocicado, cítrico, talvez. Havia uma mulher sentada ao sofá com uma folha de papel levemente amassada entre os dedos das mãos. Ela estava chorando, talvez já por longos minutos desde que soube do acontecido.
— Senhor, a jovem foi encontrada aqui na sala de estar junto com um bilhete ao lado do corpo — disse o cadete.
Os flashes lambiam as paredes da sala, assim como dos quartos e outros cômodos. O pessoal da perícia era bom em coletar provas, mas eram lentos se comparados a "Ele". O cadete parecia nervoso, seria o seu primeiro caso de assassinato? Ele olhava bastante para o corpo morto da jovem próximo aos nossos pés.
— Alguém moveu o corpo?
— Não, senhor! Apenas a carta foi removida.
— A mesma que está com aquela senhora?
— Sim, senhor!
— Ela reconheceu a caligrafia?
— Sim!
— Hm, falarei com ela.
— Sim, senhor!
Abandonei o cadáver e me aproximei da mulher ao sofá. Ela estava de cabeça baixa entre os braços como se orasse a Deus para devolver a falecida. Sabemos que isso jamais aconteceria, mas dói o coração ter que quebrar essa doce ilusão materna. Puxei uma banqueta baixa e sentei-me próximo a ela.
— Senhora? Podemos conversar?
Os olhos marejados da mulher despertaram de volta a cena, mirando tristemente o corpo caído à sua frente. Seus lábios se retorceram novamente, desacreditando que suas preces não haviam sido ouvidas, mas sua consciência lhe advertiu da minha presença. Eram olhos azuis, tais como os da vítima, porém ainda com o brilho da vida, tristes, mas ainda assim brilhantes. Ela me encarou e confirmou com um aceno simples.
— Pois bem...
O barulho da porta me interrompeu. "Ele" havia chegado, desarrumado, como sempre. Cumprimentou os colegas cadetes e me notou rapidamente. De lá mesmo acenou para que eu continuasse. Ele não gostava de conversar com os parentes das vítimas. "Ele" sempre gostava mais de conversar consigo mesmo, com as paredes, com a cena do crime. O que a perícia não encontrava, ele retirava da manga do seu casaco carmim.
— Continuando, a senhora é a mãe da vitima? Notou algum comportamento incomum? Ela estava saindo com alguém? Quando foi a última vez que a senhora conversou com a sua filha?
Eu fiz o protocolo. Todas as malditas perguntas do regulamento sobre investigação. Já perdi as contas de quantas pessoas eu me repeti naquele questionário imbecil. E sempre, toda as vezes, era uma tortura ter que ouvir entre choros e lágrimas as respostas gaguejadas daqueles que perderam seus entes queridos. Era terrivelmente difícil ter que fazê-las, mas o tempo passava e com isso o corpo também esfriava e consequentemente, mais longe de um suspeito nós ficávamos.
No fim das contas, a garota era um exemplo de menina. Tinha um namorado de anos, datado do colegial, estava se formando, tinha muitos amigos, gostava de festas, mas não era arruaceira. Uma típica universitária. Nada de incomum aqui, a não ser que, agora, ela já não está entre nós.
"Ele" se aproximou.
— E então? — perguntei.
— A garota foi assassinada.
— Temos uma carta de...
— Forjada.
— A mãe reconheceu a caligrafia.
— Hm, o pulso cortado é do braço esquerdo.
— E daí?
— Ela era canhota. Não há borras de grafite nas mãos. E o traço do corte é de dentro para fora. Sabe o quão difícil pra alguém que não está pensando nisso, fazer um corte assim? Se você desejasse a própria morte, iria querer a maneira mais complicada? De longe!
— Tudo bem! Mas e sobre a grafite? O que isso tem a ver? A carta foi escrita à caneta.
— Não há canetas aqui! Ela era estudante de artes. Desenhista! Tudo o que encontrei foram lápis, pinceis e nanquim.
— E como ela fazia os trabalhos da faculdade?
— Computador. O que não era arte, ela redigia o texto em seu computador.
— Então, realmente podemos descartar que foi suicídio? Algum suspeito? O namorado, talvez!
— Hm, há muitas fotos do casal. Muitos presentes dele também. Não sou tão bom em traçar perfis, mas ele não me parece ser o tipo que faria algo assim. E... hm, também encontrei isso.
— O celular da vítima!
— Sim, tem 5 chamadas perdidas do mesmo rapaz. Acredito ser o namorado.
— Os horários divergem mas são próximos ao horário da morte? Chegou a confirmar com a perícia?
— O sangue no carpete está seco. Aparentemente, pela forma que pintou o chão, não foi um esguicho, foi derramado propositalmente. Direto da fonte. Mas ela já estava morta.
— Você está me dizendo, que além de matar a garota, o criminoso também montou a cena do crime.
— Hm, preciso juntar mais provas para dar essa certeza, mas sim. Não foi suicídio. Ah! E mais uma coisa, quando o sujeito derramou o sangue da vítima pelo carpete, ele provavelmente não sabia que derramar líquidos fazia o efeito de respingo. Ou não se atentou a isso.
— E daí? Se ele estiver à milhas de distância daqui, já deve ter trocado as roupas.
Foi nessa maldita hora que ele deu aquele sorriso. Nessa maldita hora que ele faz o sorriso de deboche de quem está prestes a revelar um segredo óbvio.
Seus olhos foram em direção à porta. A mesma porta onde o cadete direcionava a equipe de perícia para fora dos aposentos. O cadete que mal suspeitava o que estava prestes a acontecer. Olhei para a parte baixa das suas calças. Lá estava a prova do seu crime. Pequenos e minúsculos respingos que manchavam a bainha e um pouco sobre as botinas. O sorriso nervoso do cadete foi morrendo percebendo o que nós já sabíamos.
Ele tentou fugir. Correu rápido como o "Papa-léguas" o desgraçado. Foi pego algumas escadarias abaixo, mas logo assumiu a autoria do crime. O meu parceiro ficou no apartamento. Por algum motivo bizarro ele pediu para que a perícia informasse o quanto de sangue ainda haviam encontrado no corpo da vítima. Porque demônios ele pediria isso, sendo que o assassino já havia sido preso e confessado seu crime? Era o que me perguntava. Mas o que mais me deixava abismado era... Com quem ele sempre conversava quando estava só?
[PS: Foi o meu primeiro texto, sejam gentis comigo. Haha. Se curtiram, por favor, deixem seus comentários. Agradeço toda a ajuda!]