O amor de uma mãe
Pelo que entendi, a menina havia emprestado a sua bicicleta a um menino, seu colega, seu vizinho de condomínio. Não era uma bicicleta grande e nem tinha marchas, mas ainda era uma possibilidade de aventura. Sabemos como os meninos costumam ser. São atentados por natureza. O menino queria andar o mais rápido possível com aquela bicicleta, só que a bicicleta não foi feita para andar tão rápido assim e não demorou a cair a corrente. Era só isso o drama: uma corrente caída da bicicleta. Bastava colocar de novo. E a coisa teria terminado por aí se nessa hora não irrompesse, vociferando, a mãe da menina.
Eu passava por ali, e comigo outras pessoas. A aparição da mãe silenciou as outras conversas. Agora só se ouvia a indignação da mãe. Ao se dar conta do estrago, digamos assim, provocado por outra pessoa na bicicleta de sua filha, a mãe resolveu interpelar a menina para tentar entender a razão de ter feito algo tão absurdo como emprestar a sua bicicleta a outra pessoa. “Por que você deixou ele andar???”, repetia a mãe, aos gritos. A menina, claramente sem entender a razão pela qual estava sendo censurada, deu então uma resposta singela que poderia ser uma lição, caso a mãe estivesse interessada em aprender alguma:
– Porque ele não tinha...
É um argumento irrespondível, e talvez tenha sido por isso que a mãe resolver mudar o rumo das suas invectivas: “Você não tinha nada que estar aqui com esses moleques! Você tinha que estar brincando com a sua irmã!”. A menina abaixou então a cabeça, sem se mexer. Ali ao lado, o menino tentava colocar de volta a corrente da bicicleta em seu lugar. A gente passava por ali e eu resolvi diminuir a velocidade.
Mas a mãe silenciou e a gente achou que havia acabado. Olhava para a filha, olhava para o menino, olhava para a bicicleta, e alguma coisa acontecia com ela, porque então ela recomeçava a vociferar, sempre as mesmas coisas. Tanto falou que a menina achou por bem pedir desculpas. Ora, mas aquele não era o tipo de pessoa que se dobra com um simples pedido de desculpas: “Você não me peça desculpas agora!”. A menina então esboçou dizer mais alguma coisa, mas a mãe não iria permitir um abuso desses: “Você não me responda! Olha que eu te bato na frente de todo mundo!”. Agora havia mais gente passando por ali, todos estavam prestando atenção na gritaria da mãe, todos estavam vendo como ela tratava a filha e como ela ameaçava a pequena de passar vergonha.
Então ela voltou a silenciar. Olhei para a mãe com mais atenção e, coisa engraçada, até parecia ser uma pessoa comum. Esse silêncio, no entanto, devia ser esforço para verificar se já havia tratado a filha com todo o rigor que merecia ou se ainda havia mais alguma coisa que ela devia fazer para que aquilo não se repetisse nunca mais. O essencial era não perder a autoridade sobre a filha, mostrar que ela lhe devia obediência, pois a mãe é quem sabe o que é melhor à filha, e se ela age desse jeito é para o bem dela.
Sabendo-se observada, a mãe entendia que o seu próprio desempenho como mãe estava sendo avaliado, o que aumentava a necessidade de tomar as medidas corretas para lidar com o caso. Então ela chegou à conclusão de que era preciso agir com mais rigor e gritou: “Vai já pra casa! Agora! VAI!”. E a menina foi, e creio que só então quisesse chorar.
Ora, era preciso mesmo proibir a menina de ficar brincando fora de casa naquele domingo de sol. Quem sabe assim ela aprendesse. A mãe olhou ao redor e nós continuamos o nosso caminho. Um dia, a filha ainda iria lhe agradecer por tudo aquilo.