Abstrato
Um breve intervalo no trabalho. Não lanchei como de costume. Após observar a solidão despercebida da minha amiga, caminhei ao seu encontro para que mesclássemos nossas solidões. Afastei com o pé os caixotes que impediam o caminho. Ela fitava minha ação com certo desprezo, pois a mesma os colocaria no mesmo lugar em seguida.
Apoiei o pé no banquinho e sentei-me na mesa. Acalmei por alguns segundos, a moça me encarou sem entender bem o motivo de estar ali. Olhei brevemente nos seus olhos, sorri sem razão alguma. Na rádio do local tocou uma canção que oscilava meus sentimentos mais escondidos. Essa música me faz chorar. “Péssimo gosto musical”, a crítica foi acompanhada com uma gargalhada sincera. Tentei explicar que a letra deixaria qualquer apaixonado triste.
O silêncio ganhou espaço de vez. Por um reflexo, como um surto nos pensamentos, indaguei de supetão: Porque amar dói tanto? Larissa pensou um pouco e certeiramente respondeu, “é algo abstrato”. O amor não é real, você não pode tocá-lo.
Imaginei quem me fazia amar. Como um sentimento pode te fazer imaginar um futuro com alguém? Ou chorar a noite inteira por não poder ter esse alguém ao seu lado? E pior, ele fazia seu coração bater feliz todas as vezes que sua vista batia no par de olhos escuros dessa pessoa. “Ele só bombeia sangue para o corpo, isso também é abstração”.
Larissa era uma jovem sem sentimentos. Talvez estivesse negando a existência do amor como fuga, ou definitivamente, ela não se importava. O intervalo encerrou, voltei ao meu posto. No retorno pra casa, avistei esse alguém mais uma vez. Real ou não, poderia te fazer feliz para sempre.