Uma conversa inesquecível

"Se alguém precisa de religião para ser bom, a pessoa não é boa, é um cão amestrado."

Chagdug Tulku Rinpoche

"Qual a lógica de um deus todo poderoso e onisciente,que teria criado seres humanos imperfeitos para depois culpá-los pelos seus próprios erros?"

Gene Roddeberry

Nunca sabemos o que irá nos acontecer quando precisamos sair para resolver problemas. Podemos conhecer pessoas incríveis ou aborrecidas. No dia 1.º de agosto, precisando sair para fazer uns depósitos, conheci uma senhora no ponto de ônibus quando eu já tinha resolvido meus problemas e pretendia ir para casa. Eu estava junto a ela e, pouco tempo depois, um morador de rua passou pedindo dinheiro para ajudar a comprar um colchão. Eu dei dois reais e nós duas conversamos um pouco sobre o acontecimento. Acabei contando uma história sobre um filme em que uma professora, mãe solteira, comendo em um pequeno restaurante, conhece um homem com quem acaba casando para depois descobrir que ele é um assassino da máfia. A mulher falou que temos que pedir muita sabedoria a Deus para não cair nessas armadilhas. Falei que ela não tinha feito nada de errado. Só tinha sido gentil, já que ofereceu um lugar para ele sentar pois ele estava procurando mesa e não podia saber quem ele era e por fim revelei que não acredito no Deus bíblico. Ela, naturalmente, ficou escandalizada e perguntou o que me levou a não acreditar. Eu falei que foi a própria leitura da Bíblia. Aí ela falou que foi porque li mas não entendi. Decidi não falar nas muitas contradições e crueldade do Deus Javé e ela perguntou por que estou viva, respirando, com saúde e em pé e eu perguntei: e quem está morto, ligado a aparelhos, doente, numa cadeira de rodas ou preso a uma cama?

Olha o que ela respondeu: Minha filha, Jesus é a verdade, Ele morreu por nós. Se você entendesse a Bíblia, saberia que Jesus morreu por nós.

Eu respondi: Eu não era nem nascida quando Ele morreu na cruz. Resposta: mas ele já sabia que você iria nascer, Ele diz que o que nós pedirmos, Ele dá.

Pois eu falei que Jesus nunca me deu nada e que, nas piores horas, ou eu descobri como me virar sozinha ou contei com a ajuda de outras pessoas. Ela falou: Você está blasfemando. Como pode confiar no homem se o homem é mau?

A verdade é que eu podia falar muito que, ainda que o ser humano seja considerado mau, quando estamos em momentos horríveis, ou só podemos contar com nós mesmos ou com outras pessoas. Afinal, se o morador de rua iria ou não conseguir o colchão, isso se deveria a ajuda de seres humanos cheios de defeitos como eu.

Eu contei que a Bíblia só mostra um Deus cruel, incompetente e insensível. Ela disse que eu precisava ler a bíblia melhor, com a ajuda de alguém, porque não acreditou quando falei que li todo o Novo Testamento e o Apocalipse três vezes, além de conhecer quase todo o Antigo.

Ela discordou fortemente quando falei que é estranho um Deus antes tão presente hoje não dar nenhum sinal. Preferi não discorrer sobre a crueldade de Deus para com Jó ou as atrocidades de Josué para conquistar a Terra Prometida e também não quis dizer que o Deus que fazia coisas como abrir o Mar Vermelho não ajuda seu próprio povo em Israel no meio de tantas bombas e mortes. Aliás, por que Israel precisa ter o melhor Exército do mundo se eles são o povo escolhido, não é? Foi o que apenas pensei, pois argumentar só faria com que me aborrecesse.

Depois, eu perguntei a ela: Veja, por que Deus, sendo onipotente, não se revelou logo para todos os povos? Dizem que os orixás são do demônio. Mas as religiões africanas são de outro povo, outra cultura. Que culpa eles têm se não conheciam Deus? Veja, na Índia, muitos adoram ou a Shiva, Vishnu ou a um Deus Ganesha, um deus com cara de elefante. Muitos lá nunca ouviram falar em Jesus Cristo.

Só que aí ela respondeu: mas Deus deu ao homem o livre arbítrio.

Eu respondi: a senhora não está entendendo. Estou falando que essas pessoas não tiveram como saber quem era o Deus único e verdadeiro. A única coisa que fizeram foi não nascer no lugar certo.

De novo, ela falou no livre arbítrio. Mas acontece que, se essas pessoas não tiveram chance de conhecer a Jesus, ninguém pode falar em livre arbítrio, pois tudo que fizeram foi nascer no lugar errado e não tiveram chance de conhecê-lo. Se Ele tivesse se revelado logo para hindus, egípcios, chineses, persas e povos nativos americanos, em vez de apenas para os hebreus e mesmo assim eles tivessem querido adorar outros deuses, aí sim se poderia falar em livre arbítrio, porque eles teriam tido a chance de escolher.

Ainda mencionei como os padres foram cruéis para com muitos índios na colonização das Américas e de como um padre, ao dar a um índio a chance de se converter a Cristo antes de mandar executá-lo, ouviu: “Se no Paraíso todos são como você, prefiro ir para o inferno. “

Horrorizada, ela disse que, se o índio soubesse como era o inferno, não teria dito aquilo. Pena que ela não considerou que o índio falou daquela forma por causa da crueldade com que os padres cristãos o haviam tratado e de como os colonizadores haviam chegado massacrando seu povo, invadindo suas terras e destruindo sua cultura. Afinal, os padres e colonizadores falavam de um Deus de misericórdia e amor e agiam com violência imperdoável, o que fez o índio não querer acreditar naquele Deus que lhe era apresentado.

Olha o que ela falou: não sei como alguém pode se sentir sem ter Deus no coração. E você, tenho certeza, não pode ser ateia. Ateu não tem amor no coração, é frio, insensível. Veja, você não ajudou aquele homem dando dinheiro para ele comprar um colchão? Um ateu não faria isso.

Desisti, poderia dizer que Bill gates é ateu e é filantropo e Angelina Jolie, ateia, ajuda crianças com fome na África. Infelizmente, ela, como muitas pessoas, considera que quem não acredita no Deus bíblico é insensível e cruel e não possui bondade.

Depois, quando chegou a vez dela descer, ela se despediu e foi embora e eu fiquei apenas pensando em como perdi meu tempo tentando me explicar.