Mulher da vida fácil

“De chico”. Pergunto se isso não atrapalha o seu serviço, mas ela diz que para tudo se dá um jeito. Já havia passado no mercado e comprado uma caixa de algodão. Com ele faz várias bolinhas e coloca lá dentro. Lá dentro. Quanto mais conseguir, melhor. “Aí não desce, né? Absorve, é assim que se fala”. É uma sexta-feira e ela deveria estar na faculdade, mas está ganhando dinheiro para pagar a mensalidade. “Mais de mil reais a facul, acredita? Como é que eu vou pagar um negócio desses?”. Ela quer se formar e trabalhar na área de saúde. Para isso, é necessário ter o dinheiro que ela consegue durante a noite. Já teve um emprego tradicional, mas não valia a pena: o seu salário era menor do que os gastos no mês. “Se eu pudesse, eu não tava aqui. Você acha que eu gosto do que faço? Odeio. Mas é que não tem outro jeito”.

Tem nojo dos homens. Houve um único que foi por amor mesmo. Ela ainda tinha treze anos, mas acabou, fazer o quê? Com os outros homens, ela apenas ganha dinheiro. Em casa, ela tem um amor que também é ela. “Somos quase casadas, sabe? Eu considero como se fosse mesmo. Meu amor por ela é incondicional”. Elas têm as crises de todo casal. Sua esposa costuma perguntar se ela gosta de mulher só porque trabalha com homem. Também é por pensar em seu amor que ela se protege – não é apenas por medo de doença. Só na carne ela não faz. Isto é, teve uma vez que aconteceu, ela não pôde fazer nada e correu o risco. Mas a regra é usar sempre proteção.

Prefere quando vêm os mais velhos. Esses dão mais dinheiro. Os moleques ela trata mal, para que não voltem mesmo. Recebe muita gente séria, muito homem de negócios, cidadãos de bem, aqueles que ninguém imagina. “Esses são os piores, meu filho. Aqui eles se revelam. Cada desejo escondido... Se eu pudesse eu fazia um livro”. Eles se justificam, dizem que “brigaram com a esposa”. Ela se vê obrigada a fazer muita coisa para satisfazer as fantasias alheias. Com pedra hume moída, água e uma seringa sem agulha, ela aplica três doses lá pra dentro e assim vai parecer que está tendo a sua primeira vez. O cara nem vai saber de nada. Se não atender os caprichos, os caras não voltam e o dinheiro não aparece. Ela não tem horário, os caras às vezes ligam quando ela não pode, quando ela está na faculdade. “Vontade de mandar tomar no cu, mas que tem atender, né?”. Procura manter a higiene. Depois que tudo termina, ela toma banho, troca os lençóis e troca de roupa.

Concorrência sempre tem. “Às vezes tenho que baixar o preço, senão já era. Não dá para ficar marcando”. Por vezes até dá para tirar uma grana boa, mas tudo o que entra logo sai, porque ela quer também dar uma vida melhor para seus pais – e eles nem fazem ideia do tipo de atividade que ela exerce. O resto da família parece não estar nem aí para os velhos. “E olhe que tem gente casada, gente que é para ser direito, mas nem eles se preocupam”. Lá na sua faculdade está cheio de pessoas como essas. “Eu fico horrorizada lá dentro! Menininhas que têm de tudo, o papai paga tudo, esnobando, se achando. E não dão valor nem para a profissão que tão aprendendo, sabe? Um bando de filha da puta”.

milkau
Enviado por milkau em 09/08/2019
Reeditado em 06/01/2020
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