CARTA A SOBRINHO
Eu conheci você aos meus onze anos. Desde então, nunca vi você planejando ofender alguém, sempre uma bondade alegre, sorrindo em fazer o bem, triste quando não conseguia tal objetivo. Quando você foi candidato a Reitor da UFPB, essa era a sua campanha, entre os eleitores: “Sobrinho é um homem bom”; “Sobrinho é gente boa”. Em você não havia outra qualidade que se destacasse tanto; todas as outras eram decorrentes da sua bondade. Os desígnios da Providência são assim: a uns, bondade em excesso; a outros, em escassez; e a alguns, quase nenhuma, beirando a maldade. Mas, seja como for a quantidade desse talento, todos morrem. Até desejamos que a natureza poderia ter preservado os bons dessa fatalidade; teríamos um mundo melhor... Desconfio de que, de tantas mortes como a sua, se configura, a cada dia, um mundo pior...
Sofremos a triste resignação ao sentirmos inexplicáveis perdas de gente conhecida e amada, que vimos crescer, conviver conosco, ser, de repente, retirada do nosso convívio, como que houvesse tempo apropriado para isso. Não há tempo para isso; tampouco, ninguém morre “porque chegou o seu dia”. Afinal, logicamente, é impossível que alguém morra fora de algum dia, sempre será num dos 365 dias do ano. A Filosofia diz que o tempo é uno, contínuo, ininterrupto, apenas dividido em dias, semanas, meses e anos para que nossas limitações e finitudes se situem dentro da História. A morte acontecerá nalgum desses dias. A constância inesperada alimenta a ideia determinista de que aquele foi o momento predestinado. Ora, apenas há a determinação universal: quem vive morrerá ou todos os vivos morrerão. Enfim, em qualquer hora, morrer faz parte inseparável da vida. E assim, Sobrinho, você morreu.
Em 27 de setembro de 1966, dia de São Cosme e Damião, quando pisei pela primeira vez noutro Continente, sem me avisar, lá estava você, em pé, no porto de Napoli, aguardando que eu descesse a escada do navio: “Vim ajudar a carregar suas maletas”. Além disso, tinha o maior prazer em me mostrar a beleza de Roma, onde fui morar quatro breves anos da minha vida. Explicava-me sua História, suas quatro estações, como também, logo no início, ajudou-me a traduzir os compêndios em latim de Filosofia, na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Jogava futebol como ninguém e sabia, como um bom técnico, escalar a Seleção Brasileira para o campeonato universitário, nas claras noites do verão romano. Nas peladas e nos treinos de 1968, jogávamos com Chico Buarque, no gramado do Colégio Pio Brasileiro. Até Toquinho você convidou para participar desses jogos. Em todos os sentidos, você, Sobrinho, era um atleta de enormes pés que o trouxeram das distâncias sertanejas de Cajazeiras até ao litoral de João Pessoa. Onde você estivesse, amigo Sobrinho, você sempre foi um entusiasta do bem fazer. Essa longa convivência construiu uma amizade sincera, altruística e feitora de outras amizades, no Seminário, na Universidade e, ultimamente, na Academia Paraibana de Letras, definindo-nos que “a verdadeira amizade é aquela que nos propõe querer a mesma coisa e não querer a mesma coisa”. Creio que a morte não mata a amizade. Porque é ela a mais perfeita forma de amor, a amizade cai do céu, e lá, Sobrinho, você a terá em abundância. No céu, não há inimizades. Enfim, cito seu predileto autor, Dante Alighieri: “Amor mi mosse che mi fa parlare” ou “o amor que me move é o que me faz falar”.