Um concerto para a morte* (11/07/2019)
Vejo corpos mutilados, todas as vezes em que folheio os jornais. É a reprodução do fato, quase sempre de enredo banal. Vermes pululando o escatológico anônimo... - E as rotativas a todo vapor.
Uma bala na cabeça e um violino... – como pano de fundo... – daria uma bela história, por quanto persistir aquela sonata.
“Morreu embriagado de Vivaldi”.
O que ainda me faz resistir à tentação? A certeza de que serei festejado nas páginas de um tabloide, em forma de retrato. E isso é tétrico.
O papel amarelando, mofando... – É o esforço que faz as letras para fugir dali. As mesmas letras que descreverão a mentira (lacônica) do que eu fora.
A minha vida, em três ou quatro linhas sensacionalistas. – Um processo semelhante ao da putrefação... – Embora os contadores de histórias devorem antes a consciência do mundo. E se é assim, uma certeza... – prefiro me apegar à dúvida. Quanto ao esquecimento? Não há consolo melhor. Ele se encarregando da reminiscência dos estúpidos – E os tipos que inventei sendo enterrados comigo.
Não permitirei que transplantem as minhas partes. Elas serviram apenas aos meus propósitos... – Como súditas devotadas de uma vida miserável. Além do mais, quem iria cobiçar um alargamento de mim?
Se não tiverem pudor, quanto ao meu corpo nu, gostaria de ser ruminado - Sem a casca que reveste as serpentes. Não há algo mais dispensável que uma vestimenta de cadáver.
E quando me assentarem à sepultura, arregalarei os olhos e testemunharei o meu próprio dessecamento (presenciará o nefasto, alguns poucos entusiastas); e igualmente contarei as estrelas, uma infinidade de vezes... - Até que cheguem a algarismos inimagináveis.
De nada adiantará rogar para que os Santos venham em minha defesa. Eles estarão ocupados com os seus próprios disfarces.
Aguento-me, ainda... - Só não sei até quando.