Canto das cigarras
Garoto, moleque, me encantava ouvindo o cantar das cigarras. Era no morrer da tarde, momento em que o dia – a claridade – começava a desaparecer.
Naquele tempo – metade dos anos 1960 – havia mais árvores, mais espaço, ao menos onde eu morava.
A cidade tinha poucos moradores. Casa tinha quintal, árvores, havia mato na rua. Bem, se foi melhor aquela fase não sei bem. Pode ter sido. Hoje não está tão ruim. A vida prossegue. Infância é tempo bom, não esquentamos tanto a cabeça. Brincamos, jogamos bola, as brigas físicas, depois as pazes, os namoricos com as garotinhas. Tudo dentro da inocência, sem maldades.
Mas é uma fase curta, passa rápido;
E os cantos começavam. Uma cigarra, depois outra, mais uma, outra. E se formava um coro. Creio que todos gostavam disso, uma absorção. Sim, era.
O que eu estivesse fazendo, logo eles – cantos – me atraiam.
Às vezes ia para perto das árvores, me aproximava do tronco. Ali elas pousavam, se instalavam, para alegrar as pessoas, cantando.
Quando via uma tentava pegá-la. Raramente conseguia.
Quando a pegava, via dois olhos dela, graúdos. Ela ali, quieta, sem nenhuma reação, dócil. Asas transparentes.
Sentia-me, porém, incomodado. Rapidamente a soltava, a via indo, voando, procurando a árvore mais próxima.
Vida de moleque é fase boa.
Cada um tem sua trajetória, vive sua realidade. Não sei se a realidade é a mesma para quem vive em Porto Alegre, Campo Grande, Vitória, Belém – ou outra cidade do mundo. Creio que sim. Fiz um poema para elas, às cigarras e seus cantos.
Não sei dizer se eram cantos tristes ou alegres. Não sei....
Faz tempo não ouço
As cigarras cantar
Era pequeno, garoto
Quando a tarde ia embora, partia
Me encantavam
Aqueles estridentes chiados
Dando vida à tarde
Que declinava, poeticamente
Ia embora
Não mais sou garoto
Mas lembro ainda daqueles cantos.