Quem é mais livre ?

Aprisionados,os dois, se habituaram a ver a Lua. Na verdade era um único pedaço de céu que dava para ser visto de dentro do cárcere. Então por ela e sua posição e suas fases eles elaboravam os dias. Lembravam sempre que ali fora estava São Paulo, desvairada, barulhenta, pseudo-liberta, mas escrava de tantas e tantas farsas e ciladas, quem andava nas ruas, exercia seu emprego, se julgava livre e honestamente salvo do surto terrorista-revolucionário que anos antes impregnara as ruas e que agora lotava as celas, e com sorte e sarro as salas de tortura. Os dois se apagavam a velha e camarada amizade, aos tocos de cigarros, ao pão contado e dado diariamente, ao evangelho, que era permitido ler, ironia, o mais revolucionário dos textos. Agora se apegavam a Lua, guardando em si, individualmente, o sentimento e a sensação que outros companheiros também a avistavam e suas amadas em outros lugares. Sim a realidade ali era de dois meninos sem nome, sem eira e nem beira, torturados, quebrados, sujos, mas com a capacidade feliz de dividir os tocos de cigarro, o pão, o livro, e a lua.