Registro de Reconhecimento
Final de tarde de inverno banhada pelas ondas de silêncio radiadas pelos mistérios dos cumes da Mantiqueira.
Como sempre, dedilhando no teclado do computador, ou cantarolando e gravando, para transformar a inatividade de profissional aposentado em atividade amadora de escritor e compositor.
Sempre digo que minhas crônicas, em sua maioria, são resultados de prospecções feitas no solo fértil da realidade da vida. Desta vez, o material foi recebido, comodamente, ao sermos presenteado com a visita de primo querido, seu filho e um companheiro. Todos, pilotos, homens que superaram nossa dificuldade de imitar as aves...
O amigo de meu primo, o qual nunca nos fora apresentado, honrando a tradição: ao fazermos a primeira visita devemos presentear, foi quem nos doou o material.
Sua doação foi motivada pela forma como fui a ele apresentado: “este é o primo que fez composições para os nossos nomes e para os nossos signos”. A partir desse ponto, tal como criança que doa linha, atendendo aos desejos fantasiosos da pipa de chegar à morada dos anjos, o doador do material desandou a narrar.
Contou-nos que, antes de ser piloto, trabalhara como técnico de manutenção. Sempre fora zeloso em seu trabalho e tivera vida muito ativa na organização dos trabalhadores de sua categoria.
Acrescentou que, em sua vida, cujo tempo e a profissão lhe obrigaram cirurgia de cataratas, somente recebera um único registro de reconhecimento. Devido à unicidade do fato, jamais o esquecera.
Narrou que o registro, em espécie de cordel, fora feito naqueles tempos em que atuava como técnico de manutenção e militante sindical. O autor, reconhecido economista profissional do quadro da Diretoria de Operações da empresa e militante sindical. A ocasião, em encontro numa assembleia sindical.
A emoção tomava conta da narrativa do “visitante doador”, tal como criança ao ver subir a pipa às alturas. Com modulação de voz alterada por esse estado, observou que já havia alcançado as horas necessárias de voo em treinamento e se preparava para alterar o rumo de sua vida profissional. Por esse motivo o único registro de reconhecimento recebido em sua vida, encontrava-se no verso de carta padrão de solicitação de demissão.
Confessou que, a partir daquele momento, além da enorme emoção das palavras recebidas, guarda o talento e genialidade do companheiro de militância sindical, pois a espécie de cordel fora composta em não mais do que cinco minutos, num ambiente barulhento de assembleias sindicais.
Numa espécie de precisão virginiana aos detalhes, finalizou a doação afirmando, que poderia declamar o inesquecível registro nos seus trinta versos, mas que somente destacaria alguns poucos. Encerrou sua narrativa com a declamação.
Antes de encerrarmos o encontro, solicitei autorização para publicar por inteiro o registro de reconhecimento a sua dedicação e dei-lhe meu endereço eletrônico.
No melhor do estilo cartorial encerro: assim por ser expressão da realidade, a seguir, por inteiro o registro de reconhecimento ao técnico de manutenção, militante sindical e, agora, piloto mas, também, doador de material para crônicas:
Ao Amigo ...:
Notável reprodutor
de ideias e de trabalho.
Excelente trabalhador,
ótimo funcionário.
Companheiro de muitas lutas,
de trabalho, desde a APROM,
fez também o Sindicato.
Ele é um dos bons.
Amigo sempre presente.
Nas horas mais decisivas,
sempre está na frente,
Quando dele se precisa,
Dedicado em sua faina,
nunca desiste facilmente.
Fala, discute e até apanha,
pois é de ter o sangue quente.
É um brigão por princípios
e uma dama de pureza.
Se percebe boa intenção,
jamais mostra sua tigresa.
Mas, não queira enganá-lo
com promessas, com mentiras,
com falsidades e com trejeitos,
verá numa fera transformada,
sedenta de justiça e retidão,
que só deixará de brigar
se lhe tirarem o coração,
órgão vital a sua existência,
pois é dele que ele vive,
ele é a sua razão!