Caraminguás
Olhando para a frente, vi o agente de bordo – ou como diz o nome "científico", trocador ou cobrador de ônibus – tentando manter a calma. À sua frente, um passageiro bufava, encalhado na catraca, tentando pagar a passagem com uma cédula grande demais. Atrás deles, uma fila de pessoas aguardava pacientemente a vez de girar a catraca e seguir viagem com um pouco mais de conforto.
O cobrador, com a paciência de quem já havia enfrentado aquele dilema mil vezes, recusava a nota:
— Não tenho troco pra isso.
O passageiro, com um sorriso cínico, replicou:
— E meu ponto tá chegando. Não posso ficar aqui esperando não, amigo.
— A empresa não é obrigada a ter troco pra notas desse valor — explicou o cobrador, tentando não perder o controle.
A lei do troco em Belo Horizonte era clara: o cliente não era obrigado a pagar a passagem se não recebesse o troco devido, desde que o valor da nota não fosse superior a dez vezes o preço da tarifa. Mas o passageiro, agora claramente impaciente, insistia:
- O direito é direito. Errado é você querer me barrar aqui. - Afirmou o passageiro com categoria. porém o argumento do nosso amigo cobrador ponderava ao passageiro;
- O direito só lhe assiste quando lhe convém...
- Por acaso você ‘tá insinuando que eu sou oportunista? –
– Ô, meu amigo, eu não tenho o valor correspondente ao troco da passagem para uma cédula de valor acima da que a lei propõe. – e o passageiro que precisava descer do ônibus, ficou revoltado ao ter seu dinheiro recusado pelo cobrador.
Sem sucesso na conversa, o passageiro decidiu pular a catraca criando uma confusão generalizada dentro do ônibus. Jogou a perna sobre a catraca. O cobrador, que até então se segurava, levantou-se da cadeira com uma agilidade surpreendente:
- Você não vai pular a roleta não! – Disse o cobrador
— Vou sim! Tudo isso por causa de uns caraminguás? — provocou o passageiro.
— Que que você disse? — perguntou o cobrador, agora vermelho de raiva.
— Caraminguás... Tutaméia... — repetiu o passageiro, com um sorriso provocador.
— Olha aqui, se você não retirar o que disse, eu pulo dessa cadeira e te quebro a cara! — gritou o cobrador, perdendo completamente o controle diante da humilhação verborrágica.
Atrás de mim, um coro de jovens animava a situação:
— Briga! Briga! Briga!...
Eu olhava a cena, sem saber se ria dos jovens ou intervinha a favor do cobrador, que, certamente, não conhecia Guimarães Rosa. A situação, que já estava saindo do controle, ganhou um toque político quando alguém no fundo do ônibus decidiu soltar uma provocação:
— Aposto que esse cobrador é eleitor do Mito!
Para quê! O cobrador, já transtornado, mordeu a isca:
— Eu não sou obrigado a dizer em quem votei, mas, pra sua informação, não voto em presidiário... diferente desse aí, que quer pular a roleta! – Disse o cobrador, visivelmente transtornado, encarando o passageiro.
A discussão continuava e o ônibus seguia seu caminho, até que, para meu alívio, chegou inevitavelmente ao meu destino. Desembarquei sem saber se, no fim, o passageiro conseguiu pular ou se a briga chegou às vias de fato. Só sei que, naquela tarde, os caraminguás custaram muito mais do que o valor da passagem.