OLHARES METAFÍSICOS

Certa vez estava em uma cidade vazia, onde o asfalto faz parte dos sorrisos largos do povo, e os transeuntes como eu se sentem sozinhos em meio ao apressado passo do rio Parnaíba. Não sei ao certo naquele dia tudo estava diferente, lembro-me que não conversei com o motorista do Uber, cheguei a ser rude, atitudes que não fazem parte de mim. Lembro-me ainda que jantei um sushi enquanto observava adolescentes de roupas estranhas “stalkeando” redes sociais e buscando relacionamentos em aplicativos.

Era muito barulho e eu apenas consegui ouvir minha voz interna implorando para eu sair do luto e voltar a ter olhos ígneos, pois havia passando tempo demais sendo despida do eu que não sabia mais se existia.

Entreguei-me a cidade, tomei uma cerveja sozinha, baixei o aplicativo e percebi que eu tinha viajado no tempo e não sabia em que universo eu me encontrava, parecia que eu vivia em um universo paralelo a tudo, parecia que não entendia mais a dinâmica social das relações.

Ora, você nunca imagina que vai viver uma situação da música Jennifer de Gabriel Diniz, até baixar o aplicativo tender. Na falsa esperança de um flerte legal para além de um oi, “ mas poderia ser?”.

Recebi um mach de uma garota que julguei conhecer (até hoje tenho essa sensação) vi em sua descrição que ele era física, então fui logo, antes de um oi, perguntar em qual física se encaixava: mecânica, físico-química ou quântica.

Ela me deu um oi demorei um tempo para responder até que conversamos uma tarde toda como se não existisse trabalho ou contas para pagar. Nesse meio tempo descobri que sua curtida em meu perfil havia se dado porque a cadela que coloquei como minha foto estava magra demais e precisava ser alimentada, tendo ela sentido pena do pobre animal.

Nesse momento, percebi muitas coisas dessa moça e resolvi fornecer o número do meu celular e sair por vez daquele aplicativo, pois julgava ter conhecido alguém que de alguma forma preencheu o silencio ensurdecedor de minha alma.

Mas antes de qualquer coisa eu não tinha nome, endereço ou identidade eu era apenas um perfil com nome de uma cachorra magrela. No meu sumiço de horas, ela literalmente buscou todas as informações que podia de mim no famoso mundo google, perdendo inclusive seu horário de almoço para analisar tudo ao meus respeito, portanto apenas características dadas nas nossas conversas intermináveis.

A noite enquanto jantava com algumas primas e me preparava para mais um filme de terror na última sessão do cinema, recebi um sms no celular que dizia “Não deveria ter sumido, pesquisei sobre você, este é seu nome e sobrenome”.

Senti-me invadida naquele momento, mistura de raiva, alegria, desconfiança, doses de euforia. Percebi que ela jogava comigo também e foi assim que mexi algumas peças do jogo, mas como boa jogadora de xadrez que sou mantive os piões e torres em alerta.

Passou-se pouco tempo e ela apareceu de forma surpresa em meu trabalho com um jeito maloqueira de ser, fitei seus olhos em visão periférica, pois tinha receio de coincidir nossas íris e mergulhar demais no desconhecido. Estranhamente ela pediu para cheirar meu cabelo, não entendi muito bem o que isso significava e ai iniciou nosso maior toque: a sensações dos cheiros.

No dia seguinte, impulsiva que sou, lhe convidei para uma cerveja em meio ao som de amores bandidos, seguiu-se assim a conversa. Se posso descrever esse dia, permita-me: A lua estava em sua fase nova, a noite estava sem ventos ou açoites, mas na cidade o cheiro de São João embriagado das luzes coloridas de uma quadrilha foi cenário de encontro e sorrisos. Ela estava feito Gaia e parecia ter parturido Urano em forma de céu, era fluidos de mar e óreas transversais deleitadas no seu corpo .

Conversamos por várias horas e nenhum assunto parecei esgotável, até o mais profundo olhar de íris ter se transformado em beijo, libertando o corpo em grito de sussurros como brisas leves em fim de outono.

Percebi ali que minha alma voltava para meu eu, pois havia encontrado a essência exalada em nuvens de um ser-tão ser. Assim, torrenciamos , como se lavássemos nossa mente de todo vazio e palavras não resolvidas, éramos apenas olhares metafísicos.

Yana Moura
Enviado por Yana Moura em 05/08/2019
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