Cidade Maravilhosa
A primeira viagem que fiz ao Rio de Janeiro, penso que foi no final da década de 60. O ônibus comercial lotado. Os passageiros levavam de tudo, comida, água, gaiola com passarinho, caixas de papelão com lembranças para os parentes desertores das terras nordestinas. Uns inquietos e outros calmos até além da conta. Uns dormiam e outros ficavam de olho duro olhando pela janela ao lado, eu era uma entre esses, como gostava de apreciar as paisagens passando! A estrada parecia nunca acabar, cadê o Rio de Janeiro? Será que existia mesmo? E se existia, por que nunca chegávamos? O motorista impenetrável, todo posudo em sua farda de quase piloto da aviação, dirigia e dirigia. O auxiliar, sentado junto à janela da direita, apreciava a privilegiada vista de quem vai na frente. Para ele, o mundo estava certo, acostumado com o trajeto. Para quem, como eu, não conhecia a Cidade Maravilhosa, aquela espera era uma tortura. Não sou de usar banheiro fora de casa, mas aquele nunca-acabar me deu vontade. Trancada naquele biombo, pensei que era o mundo se acabando, mas era só o barulho do ônibus no asfalto. Foi rapidinho. Quando, de pé, tentei levantar as calças jeans, o motorista entrava numa curva fechada. Perdi o equilíbrio com as calças na metade das coxas. Imediatamente estendi a mão para alcançar a portinha. E o ônibus fazendo a curva. A portinha abriu! Fui jogada para o lado contrário, o do corredor, do jeito que estava, nua com as mãos no bolso, não, no cós das calças. E quanto mais eu tentava levantar a roupa, menos conseguia. E aquela curva nunca terminava. Até hoje não sei se os passageiros viram aquela cena mais constrangedora do que a cara de algum político corrupto. Quase chego assim à Rodoviária carioca. O Rio de Janeiro existia e eu estava lá! Aquela primeira visão não foi exatamente a de uma cidade maravilhosa...