Crônica. Itacoatiara

Crônica. Itacoatiara.

O mês de julho acabou. Hoje dia derradeiro.

Um dos meus desejos era conhecer a Serra de Itacoatiara. O lugarejo. A comunidade. A freguesia de Nossa Senhora das Neves.

Assim foi que tomei coragem e afunguei de serra a riba.

Mesmo neste mês subi à Assunção, Quandu passando por dentro de Arapari, São Gonçalo, Mulungu, Matinha e tantos lugarejos desconhecidos meus até então.

Mas, havia prometido a meu amigo Gilmar que por lá se esconde, vez e outra, de subir aquela Serra para ver de perto sua beleza natural, sentir seu hálito doce e frio saindo dos manguezais, dos bananais, das jaqueiras e de todas as fruteiras naturais daquele paraíso disfarçado em serração.

O trecho mais emocionante foi o desconhecido.

De Arapari pra riba uma emoção inesquecível.

Antes, me demorava atrás de uma caçamba cheia de não sei o que e noutra motoca iam duas mulatas mais adientadas do que eu até que numa brechinha a gente se meteu na frente daquele caçamba lenta demais por via da carga e da ladeira.

A estrada é estreita e as linhas amarelas contínuas indicam o perigo das ultrapassagens. Perigoso mesmo porque daqui pra lá não aparece um vivente pra emperrar. Haja motor potente pra se garantir no sucalejo dos pistãos pra aguentar o rojão da ladeira arriba.

Na contra desce escorregadio as motos e os carros. Aí, meu fii, no céu não fica nenhum santo. Tudim empurrando de ladeira a baixo. Por que pra descer todo santo ajuda. Eis o perigo da ultrapassagem.

Finalmente a serra arribitada é encarada e minha motinha Honda ano 96 começa o seu suplício.

Arapari bem elegante, suas ruas várias, aquela que já foi a sede do município e a Vila de Dona Leopoldina.

Rompendo ladeira e em Ramos vejo homens com latas d'água na cabeça. Pensei ser uma necessidade local. Mais adiante havia cimento, areia e calçamento remendado. Era recuperação de estrada.

De um lado as árvores ainda verdes e sorridentes bem diferentes das do Arrodeador e as da Taboca, tristes e tostadas do abrasador sol quente. Na outra margem da estrada sovacos de Serra cheios de matas diversas e casas povoadas.

Pela Mapeguaba minha moto geme qual uma jumenta não podendo mais com a carga. Fosse uma jumenta uma chicotada a encorajaria na subida e o pobre animal se estrupiava mas subia. No arregaçar do acelerador ela geme, mas sobe. Sobe soltando fogo pela escapação.

A estrada é calçada na sua maioria. A pedra é tosca, mas assegura melhor a aderência aos pés redondos que por ali rondam sempre.

Daí começa a aumentar a emoção. Mais adiante três criaturas de Deus, parecidas com gente, estão esperando não sei o que. Mas era gente, obviamente.

Um carro desce enquanto subo. Mais adiante um riacho escorre serra abaixo e suas águas se quebram nos lombos de todas as pedras no seu trajeto.

A estrada fora raspada ontem, me garante mais tarde a Daniele, diretora da escola de Itacoatiara.

Uma pausa lá em cima para umas fotos. Fazia tempo que desejava tirar fotos mas ia me atrasar.

Combinei com Samara que às 14 a gente voltaria pra escola e que apenas tinha ido da Taboca pra Bica da Canoa almoçar. Só não disse que faria o caminho pela Itacoatiara. O almoço era pretexto. O objetivo era a Pedra Pintada.

Lá embaixo estava a Vila da Imperatriz e Eu, bem muito mais alto que via as casas miudinhas e seus telhados vermelhos.

Dali também via todas as curvas da pista e além da serra que escondia a sede da Pedra Lascada, avistava eu o alvo do Atlântico. Quanta altura! Quão alto estava eu que se morresse, ali, entraria no céu sem passar pelo purgatório, pois o mesmo já estava muito pra baixo de mim.

Hoje, realmente, fui na baixa da égua. Uma expressão para dizer que foi muito longe do seu habitat.

Parei um rapazola pra indagar sobre a Itacoatiara e ele me disse já estás nela. Eeeeeita que emoção paidégua quando me senti dentro dela. Bem enriba dela, me esfregando nos lombos daquela Pedra Pintada na linguagem indígena.

Subi só mais um cadim de ladeira e saí enriba da igreja, da escola e de outras edificações do lugar.

Minha colega de ofício, a Dani, estava descansando. Isso era pra mais de 12. Me mostrou as edificações da escola. Muito receptiva, elegante, simpática e nao lhe falta o adereço primordial das mulheres: a beleza.

Itacoatiara é tão cheia de ladeira que a escola da Dani tem 3 andares. O de baixo, o do meio e o de riba. Um efeito natural das descidas das ladeiras. Sensacional. Senti falta de ventiladores, mas minha colega me assegurou que o ambiente é sempre muito agradável. Comecei a desejar morar por lá só pra não sentir mais o fogo me queimar antes de chegar no inferno.

Depois de três dedos de prosa desci pros lados da casa do Gilmar. Um parente dele, certamenre, pois parece com ele, me garantiu que o mesmo nao estaria em casa. Mas é claro. Ele mora enriba e teabalha embaixo.

Daí começou uma ciranda de bananeiras que para onde me virasse bananeiras avistava.

Já devia descambar pro Jatobá, outra localidade. Aí começou o meu suplício. Não sei se freiava no motor ou no freio ou nos dois. Às vezes o freio brecava e a moto queria descer aos emboleus comigo. Parece que todo santo agora tava ajudando na descida.

O bananal encandeia a vista e vez em quando avistava motos debaixo das bananeiras. Era os cavalos dos trabalhadores.

No tempo deu menino os mais velhos diziam que haveria o tempo dos cavalos sem cabeça.

Hoje, se fosse há quarenta anos, minha moto e as das bananeiras seriam jumentos, cavalos e burros. A minha sofrendo comigo nos lombos ladeira arriba e as deles amarradas esperando as cargas de bananas pra descer.

Jumento mesmo é coisa do passado, mas nada se acaba. Deve ter algum ao menos de lembrança dos tempos do Gonzagão que cantava que quem é rico anda em burrinho, quem é pobre anda a pé.

Mais pra baixo, antes de chegar na Canoa, destino Meu, sobe uma hilux e eu preciso me encolher um pouquim no sovaco da ladeira pra ela passar.

Gozagão cantaria, hoje, que o pobre anda de moto, o rico de hilux, mas ninguém anda a pé.

São tantos detalhes que a gente ver, vive e percebe, que mesmo numa narrativa detalhada, a gente esquece alguma coisa.

Duas mulheres me encontram. Também estavam de moto. Uma morena a outra clara. O clima, a beleza e a sensação, lembram o céu, para quem lá foi. Então descem dois arcanjos neste contraste fiel de pele morena e clara sobre asas motorizadas. Cores das quais me agrado. Senti-me um querubim na presença angelical dos arcanjos que ali passaram.

Só nos olhamos. Eu sorri. Foi o meu angélico cumprimento.

E o jumento?

Ah. O jumento. Por pouco delirava eu na poesia do momento.

Jumento não tinha, já disse. Algumas rezes. Nada de cabra nem outro animal.

Mas, passei por um jumento. Parecia ser tão antigo quanto era o Gonzagão. Cabisbaixo, muchuré. Parecia mesmo velho e desprezado. As motos tomaram seu ofício.

Num brejo de Serra havia uma palhoça de palhas de coqueiros. Apesar do clima, fui tentado a me despir corpo e alma e ali mesmo refrescar os sovacos e as virilhas. Temi que o dono ou alguém aparecesse e me apagassem pelado confundindo com um mal fazejo, já que as únicas criaturas que conheço daquelas bandas são o Gilmar e a Daniele. Desisti.

Mais adiante outro riberio. Água mineral. Parece que saía do buraco da gia. Ajeitei o telefone e filmei-me de quatro com a boca nágua. A sede passou, mas a fome não. Bem perto umas bananas maduras no chão. Alegria completa. Lembrei-me da série Pelados e Largados. Não estava assim, mas comi as bananas sem pressa nenhuma para degustar, suavemente, a doçura e a maciez daquela fruta natural de Itacoatiara ou, quem Sabe, já do Ganso, pois estava bem embaixo.

No Ganso eu via, ao meu Leste, a Itacoatiara. Descambava pras 14 e eu descendo a Serra do outro lado do mundo.

Este é um lugar que só vai dois tipos de gente. Os que tem negócio e os que não tem juizo. Eu tenho aventura. Por isso fui.

No meu lado oposto, avisto a pedra Itapicu. Enorme. Elegante, exuberante. Fosse morcego moraria lá. A moto querendo descer mesmo freada. Tava difícil descer aquelas ladeiras. Vez e outra uma paradinha pra foto. Finalmente alcancei a Canoa e a bica.

Nestas alturas já avisara Samara que ia atrasar. Que não esperasse cedo. Lá pras 3. Ela acordou com as mensagens. Me arrependi.

O trajeto da canoa de volta já conhecemos. Me resguardarei desse enjoo. Apenas zeguezagues serpentinas.

Me demorei um pouco na Gláucia ao lado da educação. Era 15 e 20 quando encostei os lombos numa rede de tira na casa de dona Gracilda, esperando Samara merendar pra gente ir pra escolá. Às 17 e 20 terminando nossa tarefa.

Em casa meu pai estava quando cheguei. Chegou às 17. Falando da ida à serra ele disse que quando garoto andava por lá. A pé. Transporte de pobre da época. Me falou do Santarém. Loralidade depois de Itacoatiara onde residiu um irmão do pai dele. Tio Sebastião Matias. Deve ter deixado descendência lá. Outra vez, outra vez voltarei à Itacoatiara ver se tenho algum parente por lá. Família é coisa interessante.

Tava dormindo e acordei daí o sono passou. Então relatei.

CARLOS JAIME
Enviado por CARLOS JAIME em 31/07/2019
Código do texto: T6709487
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