O INTRUTOR E O APRENDIZ
“Deus está em você. Não é necessário pagar para alguém lhe dizer isso. Eu digo porque sei que é verdade”, escreveu certa vez Henry Miller. E ainda, “cuidado com quem traz sempre Deus nos lábios, pois é o que dele mais está distante”.
As reflexões estavam inseridas num artigo sobre o espiritualismo, que invadira a América como um tóxico com seus gurus, que nada davam de graça, tudo cobravam.
Não pudemos deixar de recordar uma palestra proferida em Edimburgo por Annie Bésant no início do século passado, quando a escritora vaticinava a chegada de um grande instrutor; alguém que viesse ensinar aos homens o caminho do aperfeiçoamento. Ela o teria, equivocadamente, reconhecido em Krishnamurt, mencionado por Henry Miller como tendo escrito: “não ponha sua fé em ninguém; você tem tudo dentro de si e está sempre a procurar pelos mestres. Por que não procura por você mesmo? Esqueça os mestres”.
É possível que o instrutor que se busque esteja no interior do ser humano, não uma outra pessoa, um pretenso intermediário entre ele e o Criador, mas um elo pessoal, superior e divino. E como realizar essa união ? Alguém deveria ensinar o caminho, um instrutor de intrutores ,que ao invés de pretender dar a Verdade em pertinência a quem não tivesse feito nenhum esforço, mostrasse o trajeto, para que cada um pudesse percorrê-lo com sua inteligência. Um mestre de sabedoria não poderia pedir que acreditassem em suas palavras, pois deveria ensinar a pensar; sua pedagogia seria incompatível com a aceitação passiva e cega dos que pretendessem respostas prontas às indagações humanas; mais do que um enunciador de verdades, deveria ensinar a forma como cada um as elucidasse por sua conta, como um pai que tendo acumulado uma grande experiência na vida apontasse o caminho e aconselhasse o filho, deixando que ele andasse com as suas pernas e descobrisse as belezas do caminho, sendo o artífice dos conhecimentos e experiências, sem cobrar nada em troca, como aqueles “mestres” criticados por Miller.
A analogia é esclarecedora. Para uma criança, Deus confunde-se com os pais. Aqueles que a geraram recebem-na à vida com um amor entranhável; protegem-na contra os perigos do mundo nos primeiros anos, orientam-na na adolescência e juventude, e prosseguem como um respaldo moral e espiritual na idade adulta.
Deus está na palavra do pai e da mãe que ensinam, aconselham, reconfortam. A família constitue o templo verdadeiro, em cujo altar se confundem seus pais terrenais dos quais herda o amor, a fisionomia e os conhecimentos. Deverá, no entanto, seguir o seu caminho. E, numa grande transição, a criança feita adulto ver-se-á privada do convívio com eles. Deus parece segredar-lhe que se mostra de muitas maneiras, especialmente no amor impregnado na família, cuja essência é divina.
Ao assumir a postura de pai terrenal, a criança feita homem deverá prosseguir o seu caminho preparando e construindo o seu destino, carregando o exemplo, a recordação e a gratidão por seus pais, e colaborando para a construção de um mundo melhor para as gerações futuras. Deverá viver nesta vida uma sucessão de outras, aperfeiçoando-se, transformando-se, vivendo várias vidas numa só. Descobre que, além de pai e educador de seus filhos, deverá sê-lo também de si; que o Pai Ancestral se confunde com a criança, que vive em seu coração; e pode sobreviver pelos pensamentos e obras que possa produzir, e o grau de consciência que alcançar; que o mistério do pai é o mistério do filho, e somente ele poderá desvendá-lo.
Nagib Anderáos Neto