O genuflexório

O genuflexório

Costumava caminhar ao longo da ferrovia da CPTM que liga a Estação da Luz a Ribeirão Pires. Havia uma trilha estreita cercada por arbustos e árvores de grande porte. Num trecho havia um recuo coberto com espessa camada de folhas secas e escondido em meio a grandes árvores, como se fosse um nicho. Pouca luz solar passava por aquele emaranhado de copas.

Nesse nicho, quase junto aos grandes troncos, havia um genuflexório que, ao que parece, fora deixado ali propositadamente. Ao se ajoelhar, ficava-se voltado para os troncos, em meio aos sons e ao cheiro da mata e, ocasionalmente, ao barulho estrepitoso de trens indo ou vindo.

O genuflexório era rústico, envelhecido, de lenho. Quantos pares de joelhos já haviam deixado suas marcas impressas naquele lenho? Quantos pedidos esse genuflexório havia testemunhado? Quantos agradecimentos esse genuflexório ouviu sussurrados? Quantas lágrimas lhe impregnaram o lenho indelevelmente? De quantas conversões foi o companheiro?

Esse genuflexório ganhou a impressão de mais um par de joelhos: dos meus. Naquele nicho, ajoelhado diante de mim, eu me aproximava de Deus para me conhecer por inteiro. Para me aceitar e me amar. Para sentir que havia muito mais amor à minha volta do que eu podia imaginar. Para entender que meu sofrimento existia para amar e me fazer amar.

Esse nicho proporcionava a sensação de aconchego de um ventre materno. Era até quentinho, apesar da pouca luz, talvez pela decomposição de tanta matéria orgânica. Era um local mais do que aconchegante; era um local abençoado. O genuflexório estava impregnado com toda sorte de energias positivas que lhe foram sendo transmitidas ao longo de anos, décadas, talvez.

A esse local passei a me dirigir sempre; fisicamente ou na minha imaginação. Lá eu conversava com aquele que eu mais amo: Deus. Com Deus depurado de crenças, dogmas, teologias, divisões, separações, superstições. Deus puro!

Numa manhã chego ao local e vejo, próximo ao genuflexório, dois homens de tez escura e de longos cabelos. Ao me aproximar, meu coração se enche de ardor. Reconheço um deles: Paramahansa Yogananda. E o outro, reconheço logo, também: Jesus, o Cristo filho de Deus.

Meu gesto automático é de me abaixar para lhe beijar os pés, mas ele me impede. Sentamo-nos, os três, ao lado do genuflexório. Estendo minha mão direita para Jesus e, a esquerda, para Yogananda. Eles também se dão as mãos. Ficamos sentados por algum tempo – uma eternidade, talvez – de cabeça baixa e sentindo a energia circular por entre todo o meu ser. Nenhum som é emitido; nenhum olhar furtivo é dispensado. O momento desse mistério é para calar, contemplar e sentir todas as dúvidas e incertezas se dissiparem.

Ao longo de dias essa imagem permaneceu viva em minha mente, como se ainda estivesse acontecendo. Uma aura de paz estava assentada em cada um de meus órgãos. Nada mais, no mundo e do mundo tem importância; essa bênção me era tudo.

Eu havia tido mais uma experiência de Deus! E nada consegue se aproximar desse êxtase!