PASSEI.
Passei,
Aceleradamente eu ia por curvas sinuosas, bem ao fundo via-se o mar, de encontro a ele um riacho. Havia estradas, pontes gigantescas, montanhas tão altas quanto as mais distantes nuvens. Passei a toda velocidade, sentindo o vendo chicotear no rosto, corri feito um louco com desejo de chegar à lugar nenhum. Calado eu controlava a direção, girando bruscamente para todos os lados.
Passei,
Por enormes casas decoradas com as mais belas flores produzidas pela primavera. Haviam outras casas enfeitadas com bolinhas coloridas em um pinheiro iluminado. Em outra varanda próxima ao pinheiro, tinha um boneco de gorro vermelho escalando a vidraça da sala. Em outro jardim vários anões correndo no gramado, acho que um deles acenou para mim.
Passei,
Desacelerei um pouco quando eu vi casebres de madeira e papelão. Moradores maltrapilhos, crianças descalças, outras correndo no que pareceu ser um campinho. Naquele lugar não havia árvores, enfeites e nem festas - a solidão predominava ali. Logo a frente deparei-me com um amontoado de almas esquecidas, jogadas ao relento, desprovidas de afeto, de um teto, de amor. Toda a pobreza como uma paisagem no quintal de luxuosos condomínios da alta sociedade.
Passei,
Encontrei enormes favelas, fiquei temeroso, a maioria das casas não tinham reboco, algumas desalinhadas por cima das outras, moradores apressados, via-se medo, armas. Passei, o medo foi embora, descobri crianças com os sorrisos mais alegres do mundo. Minha inocência poética viu flores no jardim de concreto e aço.
Passei,
Por grandes fábricas quase fiquei, algumas poluindo descaradamente. Outras matando lentamente. Depois cheguei em fazendas com cercas caídas, avistei vacas e bois ficando pelo caminho.
Passei,
Por estradas esburacadas fui com cuidado. Outras fazendas surgiram no caminho, essas, com suas enormes cercas bem cuidadas e pintadas de branco. Outras entretanto, pareciam pequenos paraísos na terra. Vacas e bois ficando pelo caminho.
Passei,
Havia tamanha pressa no meu caminhar, que não fiz parada até este momento. Apenas olhando da janela da alma sem muito interesse. Por fim, acabei descobrindo que nada aproveitei ao longo dessa longa jornada.
Parei,
Não estou mais atrás do volante desgovernado do meu coração. Decidido, vou agora caminhando pela vida, apreciando cada pequeno detalhe, sem nada deixar passar. Logo mais, na extrema e última curva do caminho extremo da estrada, eu não mais serei visto. E o motivo de tudo isso é que, pela vida…
Passei.