Tenho tomado muito suco de maracujá
As minhas crises existenciais morreram, em uma tarde ensolarada de 2014 enquanto eu chegava com aquela pasta de documentos e xerox autenticadas e as colocava na escrivaninha do RH, que como recompensa me devolveu uma carteira assinada e carimbada que me proibiria de ver a beleza das manhãs e de tomar um despretensioso café com minha família durante seis dias da semana pelo resto da minha juventude. É claro que para uma jovem pós adolescente cercada de mimos e confusões mentais as tais crises existenciais não se dariam por vencidas tão facilmente, vez ou outra os fantasmas me assombravam, e eles foram engolidos sem mastigar de tempos em tempos, com a ajuda de coisas a base de álcool, sertralina, clonazepan e afins.
Eis que alguns anos e algumas rugas depois, eu estava grávida, por total descuido enquanto me julgava ser a mais cuidada do mundo, e agora as crises existenciais iam dividir o palco com preocupações sobre cólicas e nascimento de dentes e os empasses naturais sobre as vantagens e desvantagens de estar viva seriam substituídos por empasses maternos que nada tem de românticos ou inspiradores. Escrever sobre a brevidade da vida, a falta de felicidade e a falta de amor no dia a dia são bem mais interessantes do que falar sobre medo do parto, de ter a sua vagina dilacerada enquanto você se caga toda para depois se ver cheia de estrias e flacidez. E é por isso que Bukowski foi aclamado por reclamar da vida enquanto a sua mãe ou a sua avó não foram.
Sylvia Plath teve filhos e sempre será a minha inspiração por ter conseguido escrever sobre os empasses maternos da forma mais romântica possível, sem citar a maternidade e fazendo com que milhares de pessoas se identificassem com um tipo de solidão que eles sequer sabiam do que se tratava. Apesar da admiração, não seguirei esse rumo literário. Primeiro porque eu não estudei em escolas aclamadas e não tenho a coesão textual como uma grande qualidade em meus textos, segundo porque não vejo mais beleza nisso. Em me proibir de falar a verdade sobre o que sinto e ter meus escritos confundidos com crises existenciais de jovens tomados pela falta de referências palpáveis do que é amor (embora eu me enquadre totalmente nessa categoria).
Eu sou uma jovem de 24 anos, estudante de psicologia, operadora de telemarketing e gestante, e tenho sido um horror em absolutamente todas essas funções simplesmente porque eu não consigo me concentrar em uma imaginando que a outra está sendo negligenciada, esse não é um dilema inspirador e não rende muito sentido figurado, mas não vou escrever sobre as cores do eclipse lunar terem parecido mais opacas para mim enquanto posso escrever sobre o lixo que os seres humanos da minha cidade são em não ceder lugar no ônibus para uma grávida com os pés inchados.
Esse texto, assim como todos os que eu escrevo e jogo fora, não tem sentido nenhum e não me deveria sequer ser publicado, mas como a maior parte das coisas do mundo não são ou estão como deveriam ser ou estar, foda-se.
Um acalentador beijo a todas as mamães cujos dramas são privados de qualquer romantismo em nossa sociedade. Por hoje é só.