PAÇOCA E ARROZ DE FESTA
A paçoca com sua massa de amendoim e açúcar, bem obediente à forma que a compôs, pode (de repente) esfarelar-se e virar pó. Mesmo adocicada e com o bom sabor, vira pó. Difícil de segurar ao mordê-la, sem que se esparrame pela roupa e seja, imediatamente, atirada bruscamente ao solo, na ansiedade de livramento daquilo que incomoda. Pronto, do nada, esfarela-se.
Minha mãe sempre dizia que eu não esperasse nada de ninguém. E que não fosse arroz de festa, porque quem é muito presente não é valorizado.
Eu não entendia muito a filosofia de minha mãe, que nunca ouvira falar em Arthur Schopenhauer nem conhecia a arte das letras. Era craque, porém, em coisas parecidas com as ideias socráticas.
Descobri (no alto dos meus saltos de 64 anos) que considerada boa é a bebida rara, mesmo que não seja muito saborosa. Valorizado é o alimento servido em terrina de fina porcelana, ocasionalmente, em festas especiais, embora de pouco sustento e de exigências financeiras altas. Coisa rara.
"Não seja arroz de festa, filha, pois ninguém valoriza".
A expressão surgiu de um prato doce, à base de arroz, muito cobiçado em Portugal, pelo baixo custo do preparo e por ser saboroso. Aqui, virou o bom e gostoso arroz doce. Ninguém o faz como uma querida amiga!
No Brasil, em comemorações de casamentos, o hábito de jogar arroz cru nos noivos era sinal de desejos de boa sorte. Porém, de tão corriqueiro e festivo, passou a significar gente que aparece muito.
Aparecer demais e alimentar expectativas, segundo a filosofia de quem muito viveu e soube ensinar das lições da vida, são fatos que podem trazer decepções.
Entendi, finalmente, que a paçoca esfarela-se e se perde, talvez por ser tão comum, tão presente e simples, quanto o arroz (de festa).
Talvez um bolinho metido a besta (com nome afrancesado) tenha melhores resultados...
Eu demorei, mas aprendi. Que pena, mãe, não fui tão boa aluna, mas a senhora era excelente professora. Ah, sim, claro! A senhora sempre disse também que eu era teimosa. Continuei... Mas agora sei sobre não alimentar expectativas, tampouco ser arroz de festa.
Vivendo se aprende, mesmo sem os compêndios de filosofia .
Dalva Molina Mansano
25.07.2019