RETRATO DE UM SEGURANÇA
Não posso rir, nem me mover
Devo permanecer calado o tempo todo
Salvo quando me perguntam algo
Devo me manter em total equilíbrio, sóbrio e atento
Rigorosamente limpo
Assiduidade é o meu forte
Indiscutivelmente irrepreensível
Veem-me como autoridade
Não sabem de meus anseios e fracassos
Das minhas pernas cansadas
Das roupas apertadas
Dos sentimentos frustrados
E do baixo salário
Muito me assusta em tempo integral
Ser alvo de roubos e assaltos
Devo manter a segurança no local
Passar serenidade às pessoas
E me expor ao primeiro golpe
Sou aquele que dá a cara a tapa
Que apanha de fracassados
E que se expõe a valentia
Valentia que não possuo
Sou um simples segurança
Com anseios e medos
Não sou um profissional militar
Minhas armas não me servem de nada
Talvez nem as saiba usar
Estou amedrontado
Mas preciso do salário
Tenho esposa e filho doente
Vim de uma pequena cidade do interior
Onde não há grandes oportunidades
Na cidade grande recomecei minha vida
Hoje não me falta o pão
Outrora dormia em barracos a esmo
Hoje tenho casa de chão batido
Cama, mesa e fogão
Roupas boas e uma bicicleta
Tomo banho de chuveiro
A lagoa ficou para trás
Num passado não muito distante
Mas suficientemente triste para lembranças
Aqui tem bons médicos
Vacinas e remédios gratuitos
Meu filho tem recuperado a saúde
Franzino, abatido e magreza extremas
Tem feito bons tratamentos
Não me falta nada
Tenho tudo que preciso
No soar do alarme da porta giratória
Percebo que me distraí
Distração é o limite
Limite é o fim
Não pode haver limites
Não pode haver erros
Pensamentos não podem ser pensados
São fontes de indisciplina e atropelos
E assim, retorno ao meu posto inicial.