O QUE FIZ ONTEM DE MANHÃ ?

Manhã, a melhor parte do dia. Hora do despertar da natureza, das pessoas, da rua, da vida. Junto ao canto dos pássaros que, ainda, existem em Vila Isabel, o som do tráfego, também, celebra o dia que outra vez começa.

O que fiz ontem de manhã ?

Creio que foi o de sempre. Despertei antes da cinco, "conversei" com a cachorra gulosa de comida e atenção. Fui para a área externa, ergui os olhos para o alto, agradeci pelo dia de anteontem e pedi orientação para, ontem, fazer e dizer as coisas certas.

Ah, o café da manhã, a melhor refeição do dia e a mais importante, segundo os nutricionistas da televisão. Sem esquecer os remédios, meus e da cachorra.

Depois do café, li um conto de Machado de Assis: "O Espelho"; terrivelmente bom.

Segundo Eduardo Lamas, "Escrever me salva de mim", então, acessei o computador e escrevi alguns parágrafos inspirados pelo Bruxo do Cosme Velho. Rapinagem é claro.

Hora de caminhar, exercitar e aproveitar para ouvir a rua. Escutar os comentários - políticos, econômicos, sociais, esportivos, novelísticos - nas bancas de jornal, na fila da caixa do supermercado, nas filas externas dos bancos, loterias, pontos de ônibus. A rua fala, grita, geme suas dores, frustrações e ri das poucas alegrias. Alguém passou cantando o samba enredo da Unidos de Vila Isabel, para o carnaval deste ano. A rua riu alto, ao ler a manchete do jornal Meia Hora : "FLA faz negócio da China, despacha Muralha para o Japão". Ironia recheada de talento.

Caminhar é preciso, com cuidado para não tropeçar, nem incomodar o Cidadão Invisível, deitado embaixo da marquise da loja falida e fechada . Geralmente, acompanhado de um cachorro e de um saco de latinhas.

Os sinos do Mosteiro de Nossa Senhora da Ajuda dobraram, chamando fiéis e infiéis para a missa. Corpo fortalecido pelo café da manhã e pelos exercícios; mente fortalecida pelo velho Machado; chegou a hora de fortalecer o espírito, lendo e ouvindo palavras escritas há dois mil anos atrás. Recordei o aviso : " Passarão o céu e a terra, minhas palavras não passarão".

Sentada nos bancos nada confortáveis da Igreja, reguei a alma e o coração com lágrimas invisíveis, e lembrei de Guimarães Rosa : "Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas e de olhos bem abertos".

Enquanto isso, a manhã foi avançando ao encontro da tarde...

Janeiro/2018

Malinche
Enviado por Malinche em 24/07/2019
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