O INCÊNDIO DO MUSEU NACIONAL
DOIS SÉCULOS VIRAM CINZAS
Nelson Marzullo Tangerini
Minha família foi atingida pelo incêndio que consumiu dois séculos de história e pesquisas no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Todo o trabalho do entomólogo Nirton Tangerini, meu irmão, e de outros outros entomólogos, como Olaff Mielke, Luiz Soledad Otero, Alfredo Rego Barros e Nilton Santos, por exemplo, virou cinzas: borboletas de nossa fauna – lindas, raras, raríssimas – foram consumidas pelo fogo impiedoso que devastou a todos que amavam o MN.
A entomologia é a ciência, dentro da biologia, que estuda os insetos. Tangerini, Mielke, Otero, Rego Barros e Santos estudavam particularmente as borboletas.
Em seu Facebook, Erica Mielke, filha de Olaff, dá o seu depoimento:
“Após a II Guerra Mundial, meu avô paterno, Carl Theodor Mielke, foi convidado para trabalhar no MN. Ele era taxidermista de grandes animais na Alemanha, sua terra natal. No Museu, taxidermizou aves e répteis, principalmente. E fez moldes da figura da famosa Luzia e outros, a partir de figuras.
JK passou por lá para visita-lo. Acreditam?
Mais tarde, meu pai, Olaff Mielke, formado em História Natural, hoje Biologia, iniciou sua pesquisa no Museu e participou da formação da coleção de lepidópteras e, junto com outras coleções, somavam mais de 5 milhões de insetos.
Eu me lembro do laboratório do meu avô. Com ele, passeávamos por lá com frequência. Almocei inúmeras vezes acompanhada de meu pai no refeitório. Lembro da escada pela qual, muito provavelmente, a Imperatriz Leopoldina teria passado.
Enfim, fiquei muito triste mesmo. Acabou este capítulo na história da família. E fico mais triste ainda, desolada, quando me coloco no lugar daqueles que dedicaram a vida no Museu, e não somente ter lembranças da infância”.
O professor Antônio Barros, também biólogo, se manifestou a respeito do tragédia anunciada:
“Minha solidariedade a meu colega de turma, irmão de ideias, professor Nirton Tangerini. O desrespeito às obras , ao emprenho e dedicação do Nirton, do Rego Barros, do Olaff Mielke e tantos outros colegas cientistas, pesquisadores, é, no mínimo, uma vergonha nacional”.
Falei em tragédia anunciada e isto se confirmou ontem, 3.9.2018, quando uma emissora de televisão nos mostrou várias matérias com datações diferentes sobre o estado de conservação do Museu Nacional. O MN pedia socorro e nenhum governo disponibilizava verba para a sua manutenção.
Quem estava no governo no ano da Copa no Brasil e no ano das Olimpíadas? Quem está no governo agora? A dinheirama para construir e reformar estádios de futebol, por exemplo, não podia ser investida no MN? Porque, na verdade, todos nós sabemos que o Brasil não tinha condições de sediar a Copa e as Olimpíadas. Um sábio jogador de futebol, mais conhecido como Fenômeno, poderia dizer, também, que não se faz Copa do Mundo reformando museus.
Quem saiu às ruas para protestar, tomou porrada da polícia. A professora Rebeca de Souza, de sociologia, minha amiga, por exemplo, foi presa e, até hoje, está proibida de sair da Cidade do Rio de Janeiro. Em 2018, tão distante de maio de 1968, na França, reforçamos nossos protestos e dizemos que é “proibido proibir”. Que os protestos continuem. Protestar não é crime. Crime é queimar a cultura.