O PODER DA INSPIRAÇÃO LITERÁRIA

As indagações são inevitáveis: o que se torna mais inspirador para quem escreve? É estar isolado, diante dum imenso lago, todo cercado de uma densa floresta, ou enfrentando uma imensa fila de um lotado supermercado da cidade? É achar-se numa igreja repleta de fiéis, ou se ver envolvido com pastas e documentos presentes numa mesa de trabalho? É estar diante de amigos numa aprazível mesa de bar, ou num evento qualquer, rodeado somente de pessoas chatas, verdadeiras “malas sem alças”?

Mediante essas interrogações permeadas de alternativas, já pararam para pensar que o que se mostra como mais relevante não é o lugar, a circunstância ou a situação em si, mas a forma como a própria pessoa reage ou responde a cada um desses eventos ou situações em que se acha envolvida, ou às experiências pelas quais passa? Nesse sentido, independentemente da circunstância, o que pode se revelar inspirador para fulano, pode não ser para beltrano, e vice-versa. Um dia inteiro passado na beira de uma praia ou num campo bastante verdejante, por exemplo, pode inspirar determinado artista na busca de suas devidas criações, mas a outro não, ou pode vir a inspirar mais um autor do que outro, aí a depender do grau de inspiração sentido. A verdade é que o seu poder vem a se manifestar de tal forma, que passa a se equivaler a uma raiz fecunda ou a um germe promissor, onde se brota a ideia fértil capaz de se converter numa corola desejada. Ou serve-se de aprazível alimento à criatividade do artista. O super competente professor Luiz Mascarenhas, ante uma de suas boas descontrações, chegara a afirmar, numa dada ocasião, que, para ele, uma taça de chope ou copo de cerveja na mesa de um bar, se mostra mais proveitoso em termos de inspiração do que um refresco ou café com leite numa lanchonete, o que, pelas ideias anteriores expostas aqui, não deixa de ter sentido.

Agora, outra indagação imprescindível: será que é possível se trabalhar a escrita literária, mesmo sem alguma aparente inspiração específica em vista? Permitamo-nos guiar, por um momento, sem muita cerimônia, pelo denso caminho das palavras, com toda a liberdade, levando-se em conta a imensa gama de possibilidades de se construir a arte da escrita. Seria simplesmente trilhar o caminho da busca e da experimentação, numa espécie de viagem singular, bastando com isso, deixar a mente fluir, da mesma maneira que um leve barco, à deriva, sobre a correnteza. A mente se faz igualmente divina e também vem a significar a própria correnteza. A capacidade de inspiração, por seu lado, se torna a verdadeira ponte entre a imaginação e a tela do computador ou um elo de ligação entre a velha pena e o papel branco. É como se achássemos na posse de uma chave bem especial que nos dê acesso ao universo infindo e incomensurável das palavras, e para não corrermos risco de angustiar pelas escolhas entre tantas, devemos saber buscar as que vão fazer parte do exercício da arte. O artista, ao exercitar livremente a escrita, é como penetrar, sem cerimônias, no mundo de possibilidades que somente a magia das palavras pode oferecer, sem correr risco de se angustiar em demasia pelos extensos caminhos; e o poder da inspiração permite uma sólida conexão entre os seus mundos externo e privado.

Com base em algumas acepções imanentes ao termo, a partir de nossos conhecidos dicionaristas, inspirar vem a significar o ato de sofrer ou exercer algum estímulo externo ou interno, bem como o de ser impressionado por algo ou por alguém. Visto que, obviamente, quem se sente inspirado é porque outra pessoa, ou algum ser animado ou inanimado do ambiente, ou até mesmo o próprio ambiente, o levou a tal sentimento. Mas quando se fala em “algo”, isso parece se remeter a aspectos bem mais abrangentes do que se imagina, pois não precisamos estar presentes, em carne e osso, em determinados ambientes para nos sentirmos inspirados. Basta que trabalhemos os pensamentos em busca de algo estimulante, ou façamos uma revisão e busca em nossos arquivos da memória, ou nos recordemos de situações, histórias ou vivências, cujos significados se tornam marcantes para cada um. Ou quando o estímulo concreto se faz bem presente, basta estamos diante da leitura de um jornal ou de um livro de algum autor preferido, ou assistimos a um programa de teor jornalístico e de entretenimento. A cultura por si só já se mostra estimulante e os seus desdobramentos incitam a arte criadora. O poder da inspiração vale como a capacidade de incitar, infundir ou transmitir sentimentos, e muitas vezes, a sua ocorrência se dá de maneira automática e involuntária, sem que a pessoa esteja esperando. E a influência de algo ou alguém é como se banhar na mesma água de sua fonte, mas procurando absorver aquilo que serve de importante referência. Quando se pensa, por exemplo, num determinado autor, cujas ideias, de algum modo, tenham exercido importante influência sobre alguém ou sobre outro autor, independentemente deste voltar ou não a lê-lo, os conceitos peculiares e as características primordiais que lhe são inerentes, acabam por ser absorvidas e permanecem como fontes de referência na sua escrita.

Não é à toa que isso se remete a uma outra concepção do termo “inspirar” como sendo a capacidade de inserir ou inalar o ar nos pulmões. Da mesma forma que buscamos absorver o oxigênio necessário para as nossas atividades vitais, procuramos inalar como fonte de energia, o que se manifesta de tão útil e proveitoso para a arte da escrita, quando percebemos ou conseguimos captar algo estimulante, o que nunca deve ser confundido com “expirar”. O processo orgânico cíclico e repetido de inspirar e expirar o ar dos pulmões, casa-se perfeitamente com o processo de absorver o estímulo primordial, trabalhá-lo internamente, conforme as inclinações e possibilidades, e externá-lo através das palavras, seja em forma de verso ou prosa. A sensibilidade literária se nutre de palavras acopladas aos sentimentos e reações. Haja vista, não são somente os bons e louváveis sentimentos que servem de fontes de inspiração, também os tidos como ruins ou desvantajosos, e há vários casos, a depender do grau e das reações, em que estes estimulam ainda mais a corrida ao papel branco.

Desse modo, independentemente do ambiente, situação ou circunstância, o que se evidencia, de forma majoritária, é a maneira como o autor reage ao fenômeno, de acordo com as suas experiências internas e externas, ou com a sua própria percepção. Nesse sentido, deve-se afirmar que o mais importante no processo não é “algo inspirar” e sim, “ser inspirado por esse algo” ou “estar inspirado”. O escritor, em dado momento, se vê transitando pelos incontáveis caminhos das palavras e vocábulos, ao mesmo tempo que uma série de possibilidades e eventos do dia a dia desafia a sua capacidade criativa. Dito no senso comum, “o que vale para mim é aquilo que me toca, de um jeito ou de outro, mexe comigo ou com os meus sentidos, independente do que se apresenta para os demais”. Fatos banais ocorridos no cotidiano, aparentemente frívolos, chinfrins, podem ganhar uma conotação maior, bem significativa, ou uma dimensão engrandecedora, conforme a percepção de cada um desses fatos ou os sentidos que lhes são concedidos. Tantos eventos cruzam os nossos caminhos e tantas são as sensações por eles deixados, mas o que deve ser levado em maior conta é a possibilidade de poder captá-los, o que nem sempre se revela tão fácil assim. Como não é tão fácil conseguir descobrir aquilo do mundo que mais inspira o ser humano, compreendido, nesse caso, no seu âmbito geral.

O poder da capacidade de inspiração é igualmente mágico e divino.

Wagner Andrade
Enviado por Wagner Andrade em 23/07/2019
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