O vendedor de frios
O vendedor de frios
Nando vendia frios numa mercearia de bairro de classe média-alta. Além dos vários tipos de frios, havia massas secas importadas, frescas, com ou sem recheio, molhos caseiros congelados, azeites, conservas de berinjela, alichela, sardela, caponata de pimentão, batatinha à portuguesa, patês caseiros, antepastos variadíssimos, queijos, pães artesanais, bolos caseiros, geleias caseiras, compotas da roça e sorvetes gourmet.
Os vinhos e a oferta de bacalhau do Porto eram uma atração à parte. A mercearia era da família há décadas e tinha clientela fiel do bairro e das imediações. Todos os produtos vendidos por lá eram de excelente qualidade, assim como o próprio Nando. A mercearia só vendia produtos que haviam sido testados à mesa da família. Testados e aprovados.
Seu jeito de vendedor contido, mas experiente, transmitia confiança aos clientes. E transmitia alguns outros sentimentos também. Nando podia ser encontrado na mercearia, ou atrás do balcão ou no caixa, de segunda a segunda, exceto pela hora do almoço, em que era substituído pela esposa. Ela até se esforçava para atender bem, mas não como Nando. Ele atendia como só ele sabia atender.
Um produto que não era vendido na mercearia, mas podia ser degustado em qualquer ocasião, era o olhar do Nando. Olhar de homem largado, como o de um cachorro que implorava para ser bem adotado. Olhar de fome, daquela fome que provém do tédio absurdo de um casamento seguro, no qual tudo está bem, mas nada faz bem. Nos momentos em que sorria era possível imaginar o que esse homem seria capaz de fazer, se bem alimentado.
A clientela mais fiel era composta dos mais conservadores e bons apreciadores que não se importavam em pagar um pouco a mais para ter produtos de qualidade assegurada. Os clientes, em sua maioria, não faziam grandes compras; preferiam retornar à mercearia até mais de uma vez ao dia ou, seguramente, mais vezes ao longo da semana. Como se voltar fosse necessário. Mas voltar tantas vezes por quê? Para quê?
Voltar para ser bem atendido. Pelo Nando, com seu olhar de encanto. Mas não era só seu olhar que podia ser encantador; ele era encantador. Por inteiro. Um homem já maduro, em boa forma, que sabia das coisas da vida. Morava ali mesmo, próximo ao ponto comercial; seus filhos já estavam formados. Conhecia a todos, de longa data. Conhecia e era conhecido. E admirado. Secretamente admirado.
Se a imaginação pudesse falar ela diria que muitos clientes iam à mercearia para ter alguns dos produtos do Nando. E após consumi-los à mesa perder-se em devaneios até se dar conta de que Nando só podia vender frios.
O vendedor de frios
Nando vendia frios numa mercearia de bairro de classe média-alta. Além dos vários tipos de frios, havia massas secas importadas, frescas, com ou sem recheio, molhos caseiros congelados, azeites, conservas de berinjela, alichela, sardela, caponata de pimentão, batatinha à portuguesa, patês caseiros, antepastos variadíssimos, queijos, pães artesanais, bolos caseiros, geleias caseiras, compotas da roça e sorvetes gourmet.
Os vinhos e a oferta de bacalhau do Porto eram uma atração à parte. A mercearia era da família há décadas e tinha clientela fiel do bairro e das imediações. Todos os produtos vendidos por lá eram de excelente qualidade, assim como o próprio Nando. A mercearia só vendia produtos que haviam sido testados à mesa da família. Testados e aprovados.
Seu jeito de vendedor contido, mas experiente, transmitia confiança aos clientes. E transmitia alguns outros sentimentos também. Nando podia ser encontrado na mercearia, ou atrás do balcão ou no caixa, de segunda a segunda, exceto pela hora do almoço, em que era substituído pela esposa. Ela até se esforçava para atender bem, mas não como Nando. Ele atendia como só ele sabia atender.
Um produto que não era vendido na mercearia, mas podia ser degustado em qualquer ocasião, era o olhar do Nando. Olhar de homem largado, como o de um cachorro que implorava para ser bem adotado. Olhar de fome, daquela fome que provém do tédio absurdo de um casamento seguro, no qual tudo está bem, mas nada faz bem. Nos momentos em que sorria era possível imaginar o que esse homem seria capaz de fazer, se bem alimentado.
A clientela mais fiel era composta dos mais conservadores e bons apreciadores que não se importavam em pagar um pouco a mais para ter produtos de qualidade assegurada. Os clientes, em sua maioria, não faziam grandes compras; preferiam retornar à mercearia até mais de uma vez ao dia ou, seguramente, mais vezes ao longo da semana. Como se voltar fosse necessário. Mas voltar tantas vezes por quê? Para quê?
Voltar para ser bem atendido. Pelo Nando, com seu olhar de encanto. Mas não era só seu olhar que podia ser encantador; ele era encantador. Por inteiro. Um homem já maduro, em boa forma, que sabia das coisas da vida. Morava ali mesmo, próximo ao ponto comercial; seus filhos já estavam formados. Conhecia a todos, de longa data. Conhecia e era conhecido. E admirado. Secretamente admirado.
Se a imaginação pudesse falar ela diria que muitos clientes iam à mercearia para ter alguns dos produtos do Nando. E após consumi-los à mesa perder-se em devaneios até se dar conta de que Nando só podia vender frios.