MEMÓRIA TRAZIDAS DA ÚLTIMA INFÂNCIA - Chácara dos Britos
Fui menino crescido e criado em Gama parte leste, no retângulo deitado metido no canto de Goiás, centro-oeste, capital da pátria Distrito Federal. Gama na banda donde havia o velho mercado, hoje extinto SAB feito em cima de um pequeno monte, fronte Escola Classe 04. Gama donde inda há o Mercadão Leste, onde a oeste fizeram a Feira Azul grudada a arcaica Feira Permanente. No centro a pizzaria amarelinha, santa casa Igreja São Sebastião e sua pracinha.
Há aqui onde brincaram minhas meninas dois grandes parquinhos, o do leste lado dos correios e do oeste trás de seu mercadão.
A casa onde moramos beija o fim da cidade, umas ruas antes de vir Goiás, de tão perto víamos já uns chãos goianos. Ali criado veio primeira até a última infância, veio junto ali também alguma ou outra perdição.
De recém-nascido não guardo fato do tempo pouco vivido em terra dentro de Goiás na pertinha cidade Ocidental.
Herdo memória de Goiás dos dias vividos na chácara de meu pai, sem nome definido, defino agora Chácara dos Britos.
A estes dias dedico este escrito.
Pequeno pedaço de chão cercado dos lados a pinheiros altos, altíssimos para a vista de menino, a frente protegida por farpados amarrados nas colunas de concreto comprado, o acesso dava pela porteira grande, bonita e caprichada de forte madeira, não sei quem fez. Por ela, por anos passou o velhão kombão bege, entrando chegada aos sábados por volta das quinze horas e alguns minutos e dando partida aos domingos sempre no limite das dezessete horas cruzando o curto trecho de trinta e poucos quilômetros entre o Gama e o fundo do Jardim Ingá - GO donde ela está.
A casa nova de alvenaria por meu pai e família cunhada a próprias mãos. A varanda grandona que lhe rodeava toda a frente, a varanda pequena que te protegia por detrás. Os pilares de pau que num conheço o tipo sustentavam toda aquela cobertura eram tal largos umbrais, seus limites à muretinha baixinha de alguns centímetros, nos servia de banqueta natural ou de armadilha às canelas quando os meninos e meninas corriam e tentavam saltos frustrados.
A varandona da frente dava de cara com a pequena piscina também instalada a mãos de meu pai e outros ajudantes, era vestida de pequenos azulejos quadrados brancos sem adornos, refletiam tom azul por causa da água, por fora em suas margens rodeada as pedras rústicas de ardósia. Nela, quando sozinho, dava de braços deslizando desjeito dos nados, já ensaiava coisas de menino divagante ali.
Desafiando fôlego brincávamos juntos toda a britaiada de passar por de baixo das pernas submersas ou de achar qualquer treco afundante que no fundo colocava em sumiço.
Éramos quase sempre eu, meus dois irmãos mais novos Claudim e Tiane e Leile prima, Vânia e Wagão tios da mesma idade. Tinha também Vilso primo de parte de pai, ele grandão num ia à piscina era mais pro fundão da chácara.
De amigo me veio Dante, ia ele sempre comigo. Quando lá, sentávamos e platonizávamos as dores sem jeito de nossas sofridões. Isso fazíamos sentados nuns bancos largos azuis de amianto acho, botados por debaixo da cobertura da churrasqueira construída com tijolinhos maciços e telhada com colonial típico.
O fundo da parede da churrasqueira era a mais imensa tela, telão que todos ou quase todos pintava de formas estranhas os nomes próprios ou apelidos com resto de carvão.
Acima poucos metros da churrasqueira ficava a horta, que era portal para outra dimensão, um lugar místico. Quase não ia lá, quando sozinho ia num explico ou entendo aquela sensação. Era-me aquele pedaço de metros cheiros e estranhidão.
Da horta avós e mãe e tias tiravam cebolinha, coentro, salsa, grandes folhas de couve, vários de tipos de alface e tantos outros e era tudo feito, cozido na varanda de trás na lenha em seu fogão.
A parte da casa virada pras costas era-me outro vasto mundo de roça e encantamentos. Ali me fazia companhia primo Vilso.
Na lenha cozia vó Zia, vó Tudinha e mãe Ica tinha elas a mais erudita gastronomia secular. O frango, o arroz, feijão. O macarrão manchado apenas e por mim profanado no caldo do frango cozido era minha toda perdição. Guardo daqui meus ensejos aos gostos da vida, minha devoção ao cozer, ao sentido sagrado contido num prato de refeição.
Eu e primo Vilso ainda não falávamos de meninas nem dessas coisas tenras. Nosso prazer estava em decapitar calango do cerrado com machado e montar ringue com galhos para aranhas e formigas digladiar até o final quase sempre fúnebre das formigas.
Lembro-me destes dias remotos, distantes e lembro-me da aprazia que ali tinha meu pai. Lhe fazia sorrir toda aquela obra de suas próprias mãos.
Eram de suas mãos o chiqueiro feito e seus tantos porcos e o rei barrão. Eram de suas mãos o cercado poleiro as galinhos, pintinhos e o galo machão. Eram de suas mãos o milharal plantado a certa época que ocupava ao lado da casa até o fundo de todo o quintal. Os pés de mandioca baixos a frente desde o portal correndo pela outra lateral até o fundo, as mangueiras que na época não vingaram, mas foram vingadas pelas goiabeiras.
Mas os pequis, estes não. Viam na grande parte do cerrado baixo que cercava fora toda chácara por detrás e mais por de frente.
Mas eram suas mãos quando ainda inebriadas por felicidade etílica restante do fim de semana que conduziam indo e depois vindo o Kombão, velho amante bege, cabina dupla, carroceria antes aberta depois fechada que dúzias de gente Brito carregava, retornando ao Gama nos entardecer dos domingos.