Lembranças da minha terra natal
Eu lamento muito não poder mais morar na minha velha malhadinha reduto dos meus ancestrais, terras que me viu nascer e crescer como poeta e prosador. Eu fui morar em Malhadinha quando completei dois anos de idade, momento em que fiquei órfão e sem arrimo de família. Nunca pude esquecer da minha terra querida, até mesmo quando eu viajava como cantador, onde eu estivesse o nome da minha plaga estava comigo porque eu sempre tive respeito pelo meu povo e sobretudo pelo nosso querido rincão. Passei metade da minha vida em Malhadinha, morando com os meus parentes e muitas famílias boas. Ali tive uma infância pobre no entanto muito bacana porque eu tinha o afeto dos meus parentes e dos amigos da minha família. Muito jovem comecei a cantar repente e viajar mundo afora, porém sempre levando comigo a lembrança daquele povo humilde, daquela gente que tanto me queria bem e que muito me respeitava. Nós tínhamos em Malhadinha amigos bons, família como a família Botica, a família Domingos, o povo do velho Elias Soares e o tio Raimundo Elias, a tia Rosa Augusto, e a família Biana, a tia Amélia, como nós chamávamos e muitas outras pessoas gradas que ficaram dentro de mim para sempre. A tia Ana tinha uma maneira grata de conquistar todo este povo e fazer com que esta gente nos amasse com enorme gratidão. Quando a tia Ana ia fazer qualquer trabalho, não faltava nenhum amigo no seu serviço porque a tia Ana gratificava aquele povo com a sua boa presença humana e o seu coração benéfico. O nosso berço natal hoje está totalmente mudado, as pessoas não são como eram antes, não há mais os costumes do nosso tempo, pois ali tudo está mudado, até mesmo a geografia do nosso reduto mudou também, de maneira deselegante. Com trinta e dois anos eu deixei a minha terra natal onde morei com muita gente boa e que fiz amizades sinceras. Foi em Malhadinha que tive meu inicio literário e onde também encetei a vida de repentista, cantando repente para meus parentes e amigos. Foi nessa Malhadinha que li os melhores sonetos de Antero de Quental, poemas de Guerra Junqueiro e a Noite das Virgens de Vitoriano Palhares. Eu sinto uma saudade enorme desse tempo bom e de toda aquela gente humilde que fez parte do meu convívio humano. O nosso campanário virou hoje uma terrível bagunça, um lugar de terrores e crimes.