OS SONHOS NÃO ENVELHECEM
“OS SONHOS NÃO ENVELHECEM”
Nelson Marzullo Tangerini
Fui, um dia desses, com a direção, alguns professores e alguns alunos do Colégio Estadual Antônio Houaiss assistir à peça “Os dez dias que abalaram o mundo”, no Armazém Utopia, na Praça Mauá. Durante aquela semana, filmes foram passados no colégio; palestras foram feitas. Não houve doutrinação de quem quer que seja. Todo este trabalho, que não foi doutrinação – repito -, fez com que eu tivesse outra visão da Revolução de 1917.
Creio que muitos, hoje, tenham, também, uma outra visão desta revolução necessária liderada por Lênin.
Nasci em 1955, quando a Revolução ainda amedrontava os capitalistas empedernidos e quando a Guerra Fria deixava o mundo em clima de tensão. Quem primeiro apertaria o botão?
Só fui tomar consciência de alguma coisa em 1964, quando os militares deram um golpe e depuseram João Goulart. Diziam que os comunistas estavam prontos para tomar o Brasil; diziam que os comunistas separavam as crianças dos seus pais.
Uma verdadeira lavagem cerebral tomava conta do país. E a lavagem cerebral era feita, também, dentro do seio da família.
Na década de 1960, quando minha mãe e eu visitávamos uma amiga dela que morava em Morro Agudo, hoje Comendador Soares, em Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, os trens eram parados em algumas estações e eram invadidos por soldados fortemente armados para ver se, ali, havia guerrilheiros comunistas. Ficava muito assustado. E minha mãe pacientemente me dizia que estavam procurando por comunistas, que eu me tranquilizasse. Na minha imaginação de criança, comunistas eram bandidos, desordeiros, assassinos, gente sem coração.
Hoje, aos 62 anos, vejo a revolução de 1917 de uma outra forma, embora pense que esta Revolução, no meio do caminho, tenha se perdido – como tantas outras revoluções, porque a burocracia estatal, a hierarquia e os privilégios acabam com qualquer sonho de mudança.
O povo russo vivia em estado de miséria extrema, enquanto as famílias do czar e dos latifundiários viviam no fausto, desfrutando de todas as mordomias possíveis – comiam do bom e do melhor, enquanto o proletário passava fome; vestiam-se com as mais belas roupas, enquanto os miseráveis vestiam trapos. Os desvalidos trabalhavam 16 horas semanais e seus salários eram baixíssimos. Sem falar que o czarismo prendia, torturava e fuzilava quem se revoltasse contra o feudalismo.
Não era justo, portanto, que o povo se revoltasse violentamente contra aquele regime opressor, que durante séculos, fez os desvalidos passarem por todas as privações?
Escrevo estas pobres e mal traçadas linhas num momento em que todos aqueles que lutam por um mundo melhor, por condições melhores de vida, por moradias humanas para os pobres, contra a discriminação e contra a fome são taxados de comunistas. A vida humana não tem preço. “Um ser humano vale um ser humano”, me disse, certa vez, o anarquista Edgar Rodrigues. Todos os seres humanos de nosso Planeta, portanto, têm direito a viver uma vida digna. E a luta por uma vida melhor é direito de todo e qualquer cidadão.
Martin Luther King, líder afro-americano, que não era comunista, nos deixou claro que um povo oprimido não pode viver oprimido para sempre. E Oscar Wilde nos disse que “onde há sofrimento há terra sagrada”.
A revolução é uma luta legítima do ser humano. Camus, filósofo e escritor franco-argelino, escreveu, certa vez: “O que é um homem revoltado? É um homem que diz não, é um homem que diz que as coisas já foram longe demais”. A revolução nos mostra que algo deve ser mudado, que uma vida melhor é possível. Foi possível em 1917; foi possível em Cuba, em 1959, ainda que essas revoluções, a meu ver, tenham mudado de rumo, no meio do caminho. Porque penso que a revolução é do povo, não de lideranças políticas e intelectuais.
A revolução é a possibilidade de atingirmos a tão sonhada felicidade e sonharmos com a solidariedade, a generosidade e o amor verdadeiro e universal.
“Igualdade, fraternidade e liberdade!” deveria ser nossa oração todos os dias.