Crédito da foto: João Machado.
 
Exclusão social e poesia
 
 
Essa imagem é uma poesia triste de nossa  realidade.  Olhando- a não posso deixar de citar o próprio Drummond, que em pedra acolhe aquele que representa a exclusão social do nosso tempo. Sinto-me como ele, tendo apenas duas mãos e o sentimento do mundo.
 
Não falta a essa pessoa apenas os bens materiais básicos como casa e comida. Falta o mínimo existencial,  a dignidade de ser humano, o carinho  e  o afeto  que faz a vida valer a pena, tornando-nos humanos. Infelizmente, nossa sociedade vive a fase dos amores e sentimentos líquidos, tudo é passageiro.

 
Quando vamos entender que a exclusão social nos apequena como humanidade? 
Quando perceberemos que  os pobres são sujeitos de direito e não meros objetos para se fazer caridade?
 
Não tenho mais palavras, apenas a minha poesia que me protege da completa loucura diante do mundo, mas quanto a mudá-lo, em nada contribui.  Pelo contrário, Talvez, seja usada  para o emburrecimento  do povo, o que me torna parte de um sistema excludente, pois me calo e ainda oferto minha poesia como parte de uma política de pão e circo.
 
 
Segue o poema Nosso Tempo de Drummond que se mostra sempre muito atual. Suprimi partes para facilitar a leitura.

 
Nosso tempo
I
 
Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
(...)
 
II
 
Esse é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.
(...)
III
 
E continuamos. É tempo de muletas.
Tempo de mortos faladores
e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado,
mas ainda é tempo de viver e contar.
Certas histórias não se perderam.
(...)
 
IV
 
É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.
(...)
 
V
 
Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
(...)
 
VI
 
Nos porões da família
orquídeas e opções
de compra e desquite.
A gravidez elétrica
já não traz delíquios.
Crianças alérgicas
trocam-se; reformam-se.
Há uma implacável
guerra às baratas.
Contam-se histórias
por correspondência.
A mesa reúne
um copo, uma faca,
e a cama devora
tua solidão.
Salva-se a honra
e a herança do gado.
 
VII
 
Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.
(...)
 
VIII
 
O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
prometa ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta
um verme.