Dinastias Reinantes

Nasci e cresci frequentando igrejas evangélicas (Assembléia de Deus). Meus avós maternos e paternos, trabalhadores rurais que viviam no sul do Estado do Rio de Janeiro, passaram a frequentar essa denominação no início dos anos '40, o que foi e tem sido, muito bom para nossa família. Analisando os acontecimentos a partir desta instituição, que é a maior do país, podemos tirar algumas idéias do que se passa no país; até a década de '80 tivemos uma realidade administrativa nas igrejas evangélicas, marcada por homens que, apesar de suas limitações quanto à escolaridade, eram voluntariosos, abnegados, inspirados e desejavam o bem de todos. Eles tinham responsabilidade com o dinheiro arrecadado, normalmente através da entrega de dízimos (10% do que se ganha). Com esses valores, compraram terrenos, construíram templos, compraram moveis, adentraram os lugares mais inóspitos do pais e fizeram a denominação crescer nas cidades e nos rincões. Criaram uma editora própria e formaram um time de escritores e comentaristas que a mantêm funcionando até hoje. Já no final da década de '60, algumas dissidências começaram aparecer com intenções não tão cristãs e abnegadas como se via até então. Era gente de olho nos fundos com os quais as instituições lidavam e foi a partir daí que surgiram certas igrejas com nomes apelativos e sempre vinculadas a certos homens com títulos como "pastores" e "missionários", conquistados sabe-se lá onde. Lembro que igrejas como a Assembléia de Deus, Batista, Presbiteriana, Metodista e outras historicamente constituídas, tinham e têm organização e métodos para a ascensão de seus membros a cargos mais altos, dentro de uma rígida hierarquia com critérios, provas, cursos, observação de conduta e outros protocolos que garantiriam o comprometimento dos interessados na "carreira ministerial". Nos movimentos agora surgidos, seus líderes eram (e ainda são), indivíduos que se apresentam como os solucionadores de qualquer tipo de problema, se dizem iluminados e portadores de "dons especiais dados por Deus". Um desses homens, ao inaugurar uma filial numa cidade do interior de SP, "decretou" a "falência de todas as clinicas medicas" da cidade gerando reclamação dos profissionais de saúde; é claro que nada do que vaticinara aconteceu. A partir dos anos '80 houve uma "esculhambação" geral; certas igrejas passaram a atuar como se a mesma fosse uma empresa familiar, inclusive a Assembléia de Deus; primeiro seus líderes firmaram-se politicamente como presidentes das denominações e, tal qual ditadores, afastaram concorrentes com potencial de desbancá-los em votações livres de seus colegiados, rodearam-se de bajuladores dispostos a fechar os olhos para seus abusos, relaxaram nos critérios avaliativos furando a fila para que seus filhos, e em alguns casos, genros, mesmo sem experiência, com pouca idade e muitos sem cumprir critérios mínimos de "comportamento cristão" dentro dos parâmetros da igreja (tenho experiência na Assembléia de Deus) se tornassem secretários executivos, tesoureiros e, principalmente, vices presidentes, todos portadores de títulos de pastores tão caros aos interessado em outras ocasiões. Além disso, a denominação alcançou tamanho gigantesco mantendo programas no rádio e na TV, onde podemos entender seu caráter. O fato é que, embora a Igreja Evangélica Assembléia de Deus tenha apenas duas Convenções Nacionais (Convenção Geral da Assembléia de Deus -CGAD e Convenção Nacional da Assembléia de Deus -CNAD), existe vários grupos de igrejas denominados "campos" ou "áreas" que funcionam com relativa independência, porém, a maioria, ligadas a uma das convenções majoritárias. Esses grupos atuam, como pequenas dinastias, onde famílias se apossam da liderança e vão passando de pai para filho ou genro como se fosse um reino; são as dinastias reinantes que nem de longe se imaginam fora do "poder"; seu sistema de governo é o episcopal de forma que o pastor presidente tem função de bispo e quase nunca é contestado. Nas grandes denominações, filhos e filhas, genros e noras ganham cargos em posições chaves mantendo todo o controle nas mãos de familiares ou pessoas da inteira confiança destas castas.

Uma das minhas preocupações é quando vejo essas dinastias se aproximando perigosamente da política. Parece que o presidente da república tem se aconselhado com grupos que têm essa visão distorcida da democracia e eu não sei se foi por causa deles que ele se sentiu encorajado para colocar todos os filhos atuando na política. Agora quer colocar um deles numa posição estratégica na embaixada dos EUA.

Bem, igrejas evangélicas são instituições privadas, sua atuação, às vezes incômoda, depende da contribuição voluntária de pessoas ou do sucesso empresarial de seus investimentos. No caso do exercício do poder político, não caberia a mesma atitude, afinal a máquina do estado é financiada com o dinheiro de impostos, obrigatoriamente pagos, mesmo pelos discordantes. Não é aceitável ver o poder público sendo exercido por uma Dinastia Reinante numa nação que há muito optou pela República.