Fiéis modernos

Fiéis modernos

Celeine morava sem gato, sem cachorro, sem homem nem mulher. Achava-se livre para fazer o que quisesse, com quem quisesse, quando e onde lhe conviesse. E, em meio a tanta liberdade, absolutamente nada acontecia. O tédio só fazia aumentar. Andava sem brilho nos olhos.

Celeine achava-se muito livre, mas pouco a pouco começou a enxergar que não era bem assim. Todos os dias saia para trabalhar, pois gostar de ser livre tem preço. Celeine era escrava dos seus instintos, desejos, vontades, fixações, hábitos, expectativas dos outros etc. Era livre?

Encontrar alguém que vá trabalhar com amor é algo cada vez mais raro nos dias que correm. Trabalha-se por dinheiro, status, uso & costume, consumo, mas não por amor. Trabalhar com amor ajuda a ter uma vida plena que, por ser plena, é leve e suave. Trabalhar sem amor contribui para produzir uma vida vazia e uma vida vazia pesa imensamente. Era justo o cansaço de Celeine: o de uma vida vazia e pesarosa escondida sob a capa reluzente da pseudoliberdade.

Celeine viu-se à procura de algo para proporcionar sentido à sua vida. Achou uma Igreja, com um padre moderno, com discurso liberal, sem ranço nem cheiro de naftalina. As celebrações eram animadas, com músicas executadas por bons instrumentistas e excelentes vozes. Era o que chamavam de louvor e produzia uma quase histeria coletiva; uma catarse que levava pessoas do choro compulsivo ao riso largo e alto. Alguns chamavam aquilo de desencapetamento coletivo.

Nas primeiras semanas, Celeine contava os dias para retornar às missas-show. Isso, sem falar nas inúmeras atividades sociais beneficentes, como bingos, chás, jantares-dançantes, noite da panqueca, do pastel, festa junina, feijoada amada, bazar, Natal das crianças etc. Era um combo: show musical, missa, orações, intercessões, testemunhos de curas, piadas, doações, bodas, batizados, cursilhos, cursos etc. Tudo junto e misturado, sob medida para a nova vivência sóciorreligiosa da ex-quase-futura depressiva Celeine.

Nessa avidez toda por sentido à vida, Celeine empanturrou-se com novos amigos e com atividades que a ocupavam durante um tempo cada vez maior nos finais de semana. Quando todas as atividades haviam terminado, no final de semana, Celeine estava exausta, recompensada e com um quilinho a mais. Reenergizada, havia encontrado o sentido da vida?

Depois de alguns meses, a novidade já não era mais tão novidade. O novo já se havia tornado rotina e a rotina, uma sequência de reedições. Celeine já não mais saltava do banco em todas as vezes. Erguia as mãos, mas não tão alto, nem por tantas vezes. Cantava junto aquilo de que gostava e não mais todo o repertório projetado no telão da igreja. Já não era das primeiras a chegar, nem das últimas a sair. As máscaras de várias das amizades-relâmpago que havia feito começavam a se desprender. Nas atividades beneficentes controlava gastos, limitava-se a uma certa quantia, não sacava mais o cartão de débito.

Celeine começou a achar que havia mais do mesmo: muito show para pouca introspecção e silêncio que, descobrira, eram fundamentais. Celeine desconfiou que Espírito Santo não mais dava seus ares por lá, no tumulto todo. Experiência nova, já envelhecida, mas importante.

Celeine acordou para o sentido do sentido da vida e descobriu que estava ali, bem pertinho, dentro dela e que só precisava ter condições para se manifestar. Ajoelhou-se e disse: amém!