NELSON MANDELA E XANANA GUSMÃO

NELSON MANDELA E XANANA GUSMÃO

Nelson Marzullo Tangerini

Paulo César Honorato foi um grande amigo de jornalismo e fotografia. Volta e meia o visitava, em seu apartamento na Rua Senador Vergueiro, no Flamengo, e sempre conversávamos sobre política e ecologia por telefone. Paulo, que perdeu uma das pernas, quando foi atropelado em cima da calçada, na Praia do Flamengo, no momento em que esperava um ônibus, encontrou muita dificuldade para trabalhar na área de jornalismo. Acompanhado de sua muleta, não se entregava ao cruel destino e partia pela cidade fotografando pessoas, parques e monumentos históricos. A arte da fotografia, por fim, acompanhou-o até o fim da vida. Vivia do aluguel de três apartamentos, resultado da indenização do acidente, apartamentos estes que eram alugados à família do cantor e compositor Roberto Carlos. Era um homem triste, solitário, e muitas vezes o socorria com a minha amizade. Quando Dinah, minha mãe, fez 70 anos, fui buscá-lo em casa e ele fotografou toda a nossa família.

Lamentavelmente, Paulo faleceu no Hospital Municipal de Ipanema, depois do agravamento da diabetes.

Há muito gostaria de escrever sobre ele e sobre o dia em que estivemos juntos no Copacabana Palace, para assistir a uma palestra com o futuro presidente da África do Sul, Nelson Mandela. Eu tivera uma breve passagem pela Anistia Internacional, onde era membro voluntário, e trabalhei muito pela liberdade do líder africano, enviando cartas para o governo da África do Sul e para a Embaixada do país, em Brasília. Assistir a um pronunciamento de Mandela era parte da minha vida e da minha luta.

Era uma bela e iluminada tarde de 1991, não me lembro muito bem a data. Estava em casa, talvez escrevendo ou cuidando de minhas plantas. O telefone toca. Era Paulo me ligando para acompanhá-lo em sua ida ao Copacabana Palace, onde Nelson Mandela faria um pronunciamento denúncia contra o Apartheid, uma lei racista do regime da África do Sul, governada por presidentes intolerantes como Pieter Botha e Frederik De Klerk, este, o último presidente branco do país. Saí de casa às pressas e mal tive tempo de me arrumar. Depois de receber este convite inesperado, peguei um táxi e fui ao encontro do amigo, em Copacabana. Na entrada do famoso hotel, ainda me lembro, vimos passar apressado o Exmo. Sr. Leonel de Moura Brizola, ex-governador do Estado do Rio de Janeiro.

Depois de muito esperar, eis que surge Nelson Mandela, acompanhado de Winni, até então sua esposa, e assessores de origem indiana. Paulo, entre outros fotógrafos, registrou a passagem, pelo país, daquele que seria um grande nome na história de toda a África e do mundo.

Toda a plateia se levantou para ver aquele grande homem. Muitos acenavam para o altivo e seguro Nelson Mandela com um livro sobre ele nas mãos – e eu era um deles -, enquanto ele agradecia a presença de todos. E prosseguiu: “- Peço desculpas a todos, mas não vim ao Brasil pra tirar fotos ou dar autógrafos. Estou aqui para denunciar o regime racista da África do Sul e falar da luta do Congresso Nacional Africano e do povo sul-africano pela igualdade racial”. Foi uma breve intervenção e em momento algum Mandela se posicionou como vítima. Dando-nos uma breve história da África do Sul e não falando na 1ª pessoa do singular – preferiu a 1ª pessoa do plural -, não fez comentário algum sobre os 27 anos em que esteve encarcerado na prisão da Ilha de Robben, ao sul e distante do continente africano.

Eleito posteriormente o 1º presidente nativo da África do Sul, o corajoso e generoso Nelson Mandela não deixou seu coração endurecer. E visitou, na prisão, outro preso político: José Alexandre Kay Rala Xanana Gusmão, que, posteriormente, veio a ser o 1º presidente do Timor Leste, ex-colônia portuguesa na Ásia. Preso pela ditadura de Suharto, ex-presidente da Indonésia, por lutar pela desocupação militar indonésia em território timorense e pela independência de seu pequenino país, Xanana Gusmão amargou 7 anos de cárcere, onde, inclusive, esteve incomunicável.

A visita de Nelson Mandela a Xanana Gusmão, na prisão de Cipiang, Jacarta, capital da Indonésia, levou ao líder timorense a esperança de um dia estar livre para sempre e ver, definitivamente, a independência de sua nação, o bravo Timor Leste.

Nelson Mandela, Desmond Tutu, Xanana Gusmão, José Ramos-Horta e Dom Ximenes Belo são, hoje, nomes registrados na História Universal, assim como Mahatma Gandhi. Diz o velho ditado: “A justiça tarda, mas não falha”. E é por isto que a luta pelos Direitos Humanos não deve cessar.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 16/07/2019
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