Ancestrais
Olho bem de perto a raiz de meus cabelos, e vejo lá uns retorcidos que relembram minhas origens. Minha avó Andreza, mãe de meu pai, era um quarto negra. Meu pai era então um oitavo negro, e eu a metade disso negro. O restante de meu pai, que ele legou a mim, era uma secular mistura de bugres, nordestinos, portugueses. Meu avô Benedito pai de meu pai, de origem portuguesa, tinha olhos azuis. Minha irmã Nira, que tem olhos castanhos, tem três filhos com seu marido francês Christian, ele também com olhos castanhos. E não é que dois dos meus sobrinhos, o Olivier e o Didier, têm olhos azuis e acinzentados! Uma improbabilidade estatística, mas a prova de que nossa família é mesmo um balaio de gato genético.
Minha mãe é cem por cento portuguesa. E os portugueses, como se sabe, são todos eles meio mouros. E os mouros, como também se sabe, são uma mistura inextricável de tudo que existe de raça na África e no Mediterrâneo. E a outra metade dos portugueses é outra mistura inextricável, agora dos povos tardios que, da África, povoaram e se diferenciaram pela Europa.
Só não sei de algum tempero asiático em meu sangue. Mas, estranhamente, vejo-me atraído pelas coisas asiáticas. Os filhos de japoneses Oswaldo san e Lauro san estão entre meus melhores amigos. E há mais de trinta anos pratico o chinês Tai Chi Chuan, que inclui bem integradas desde artes marciais até a meditação e as leituras da filosofia que ultraja os gregos e romanos.
Então, que direito teria eu de colocar-me a favor de algum pretenso preconceito?
Publicado no livro "Canjica de castanha" (2019).