A cova dos flagelados
1. Vi de perto algumas secas que maltrataram o Ceará. De muita coisa triste, provocada pela longa estiagem, inda me lembro. Nunca esqueci como Iguatu, minha cidade, era invadida, diariamente, por centenas de flagelados, em busca do que comer.
2. Meu pai chegou a dividir nosso feijão com a meninada faminta que rondava nossa casa. E minha mãe, na medida do possível, alimentava, com os chamado "caldo de caridade" , as mulheres grávidas que deambulavam pela rua, pedindo esmola.
3. E o vigário? Do velho cura, batina sambada, nunca esqueci. O padre Zé Ferreira, pobre, probo e caridoso, procurava minorar a fome dos flagelados, acampados em frente à casa paroquial, dando-lhes uma moeda de um tostão; dava para comprar um pão, na bodega da esquina.
4. Muito bem. Hoje pela manhã, abri a Folha de São Paulo e me deparei com uma matéria com este título: "Campo de concentração no Ceará, anterior aos de Hitler, será tombado". Campo de concentração? No Ceará? Indaguei, com licença da palavra, estupefato.
5. Até aquele momento, juro, eu não sabia que a Terra da Luz, o primeiro estado brasileiro a libertar escravos, tivesse permitido, em algum momento de sua história, a instalação de um campo de concentração, com torpe finalidade, conforme, a seguir, se verá.
6. Começo pela sua localização. O campo, diz a matéria da "Folha", foi instalado durante a terrível seca de 1932, na cidade de Senador Pompeu, que conheço.
Por essa cidade, nutro um carinho todo especial e digo porquê: nela, no dia 17 de novembro de 1904, nasceu Raul, meu pai, morando no "outro mundo", desde 14 de abril de 1971.
7. Uma palavrinha sobre a terra natal do meu pai, homenageando o velho. Senador Pompeu foi fundada pela Lei n. 332 de 3 de março de 1896. Ocupa uma área de 1 002,127km. Tem um pouco mais de 26 mil habitantes. Clima semi-árido tropical. Distante 273km de Fortaleza. Nossa Senhora das Dores é sua padroeira.
8. Agora a pergunta. Pra que um campo de concentração em Senador Pompeu, portanto, no coração do sertão alencarino? A reportagem da Folha dá a resposta.
Nesse campo - pasmem! - durante a devastadora seca de 32, "retirantes esfomeados" eram aprisionados. Querem saber porquê? Para que eles não chegassem a Fortaleza, com suas mãos estendidas, pedindo "uma esmolinha pelo amor de Deus".
9. Miserável campo de concentração. Segundo ainda a reportagem, muitos flagelados, prisioneiros do campo de Senador Pompeu, adoeciam gravemente, e, sem qualquer assistência, morriam. O campo transformava-se na sepultura de famintos flagelados.
10. Pois não é que a prefeitura pompeuense aprovou, rescentemente, o "tombamento" desse local amaldiçoado, onde milhares de migrantes foram detidos e que "virou cova de muitos deles".
A notícia do "tombamento" foi dada pelo prefeito, Maurício Pinheiro Jucá (meu parente?), à jornalista Anna Virginia Balloussier, da Folha de São Paulo, que assinou a reportagem.
Será mesmo necessário e oportuno, nobre alcaide senadorense, recordar um passado tão degradante só para preservar a história da sua cidade, como o senhor argumenta?
11. Justifica-se o "tombamento" se a Prefeitura identifica, após criteriosa pesquisa, as pessoas à época responsáveis pela sua instalação e manutenção do campo e publicar seus nomes no portão de entrada desse abominável espaço. Seria a história punindo os algozes.
1. Vi de perto algumas secas que maltrataram o Ceará. De muita coisa triste, provocada pela longa estiagem, inda me lembro. Nunca esqueci como Iguatu, minha cidade, era invadida, diariamente, por centenas de flagelados, em busca do que comer.
2. Meu pai chegou a dividir nosso feijão com a meninada faminta que rondava nossa casa. E minha mãe, na medida do possível, alimentava, com os chamado "caldo de caridade" , as mulheres grávidas que deambulavam pela rua, pedindo esmola.
3. E o vigário? Do velho cura, batina sambada, nunca esqueci. O padre Zé Ferreira, pobre, probo e caridoso, procurava minorar a fome dos flagelados, acampados em frente à casa paroquial, dando-lhes uma moeda de um tostão; dava para comprar um pão, na bodega da esquina.
4. Muito bem. Hoje pela manhã, abri a Folha de São Paulo e me deparei com uma matéria com este título: "Campo de concentração no Ceará, anterior aos de Hitler, será tombado". Campo de concentração? No Ceará? Indaguei, com licença da palavra, estupefato.
5. Até aquele momento, juro, eu não sabia que a Terra da Luz, o primeiro estado brasileiro a libertar escravos, tivesse permitido, em algum momento de sua história, a instalação de um campo de concentração, com torpe finalidade, conforme, a seguir, se verá.
6. Começo pela sua localização. O campo, diz a matéria da "Folha", foi instalado durante a terrível seca de 1932, na cidade de Senador Pompeu, que conheço.
Por essa cidade, nutro um carinho todo especial e digo porquê: nela, no dia 17 de novembro de 1904, nasceu Raul, meu pai, morando no "outro mundo", desde 14 de abril de 1971.
7. Uma palavrinha sobre a terra natal do meu pai, homenageando o velho. Senador Pompeu foi fundada pela Lei n. 332 de 3 de março de 1896. Ocupa uma área de 1 002,127km. Tem um pouco mais de 26 mil habitantes. Clima semi-árido tropical. Distante 273km de Fortaleza. Nossa Senhora das Dores é sua padroeira.
8. Agora a pergunta. Pra que um campo de concentração em Senador Pompeu, portanto, no coração do sertão alencarino? A reportagem da Folha dá a resposta.
Nesse campo - pasmem! - durante a devastadora seca de 32, "retirantes esfomeados" eram aprisionados. Querem saber porquê? Para que eles não chegassem a Fortaleza, com suas mãos estendidas, pedindo "uma esmolinha pelo amor de Deus".
9. Miserável campo de concentração. Segundo ainda a reportagem, muitos flagelados, prisioneiros do campo de Senador Pompeu, adoeciam gravemente, e, sem qualquer assistência, morriam. O campo transformava-se na sepultura de famintos flagelados.
10. Pois não é que a prefeitura pompeuense aprovou, rescentemente, o "tombamento" desse local amaldiçoado, onde milhares de migrantes foram detidos e que "virou cova de muitos deles".
A notícia do "tombamento" foi dada pelo prefeito, Maurício Pinheiro Jucá (meu parente?), à jornalista Anna Virginia Balloussier, da Folha de São Paulo, que assinou a reportagem.
Será mesmo necessário e oportuno, nobre alcaide senadorense, recordar um passado tão degradante só para preservar a história da sua cidade, como o senhor argumenta?
11. Justifica-se o "tombamento" se a Prefeitura identifica, após criteriosa pesquisa, as pessoas à época responsáveis pela sua instalação e manutenção do campo e publicar seus nomes no portão de entrada desse abominável espaço. Seria a história punindo os algozes.