Numa manhã
Viajava num ônibus urbano, numa manhã. Subiu um cidadão, jovem, vendedor. Não recordo o que vendia.
Deu bom dia aos passageiros. Agradeceu pelo “bom dia” dado em coro. Passou a negociar sua mercadoria, garantindo que era de boa qualidade, que o preço era bem abaixo que nas lojas convencionais.
Etc. e tal...
Disse ser mais um desempregado (no país do desemprego), na nação do descontrole político – e econômico.
Política neoliberal "saco de gatos", onde a economia é propositadamente direcionada aos interesses dos grandalhões.
Falou de Deus.
Aconselhou a que buscássemos Sua proteção, Sua sabedoria. Correto, beleza.
Alertou sobre o perigo da dependência química – as drogas, inclusive o álcool.
Me chamou a atenção quando o rapaz citou “quem bebe cachaça” – se referindo certamente às pessoas de baixa renda. Quem sustenta as cacharias é o bebedor dessa classe social.
O da ralé, baixa estirpe.
Eu estava desatento ao que ele dizia. Ouvi este trecho, já no fim da preleção (o trecho “da cachaça”) dele, o vendedor.
Meditei.
Tratou a cachaça como bebida de marginalizados, pobres. Realmente as pessoas pensam assim, é uma realidade.
Cachaça é para quem vive na linha de pobreza. Dividimos na mente o que é marginal e o que é certinho – isso em grande parte nos é imposto, vem de cima.
Chamamos tal divisão de ideologia.
Imaginei: Por que ele não disse de outra forma. “Quem bebe uísque”. Uísque é uma bebida alcoólica, como outra qualquer.
Causa dependência psicológica e física, como a cachaça, conhaque, rum, cerveja, vodca.
Cachaça é para pobre. Uísque é para rico, magnata. Bebida alcoólica também tem classe social. Ideologia burguesa é para colocar o pobre em posição inferior, lá em baixo. Um nada.