NO PORÃO DAS MINHAS EMOÇÕES

Toda emoção, por mais honesta que seja, tem um porão, muitas vezes escondido dela mesma e de todos. Nesse lugar ficam guardados seus segredos, trunfos, escudos, atalhos e armadilhas. Fica tudo aglutinado num baú fechado a sete chaves, feito ermitão que ficará hibernado por todo tempo, camuflado na sua própria alma, no seu próprio destino, na sua própria carne. Escancarar o que guarda lá dá medo. Vasculhar suas vísceras exige coragem divina, exige loucura absoluta, exige desprendimento alucinado. Todos nós abrigamos esse baú em algum canto da gente. Todos nós temos um lado sombrio das nossas emoções, face bizarra daquilo que ostentamos como tesouro, essas coisas chamadas de amor, de compaixão, de amizade, de fé. Tudo isso enverga no seu eixo um revés atroz, universalmente oposto ao que está tangível, ao que se diz íntegro, verdadeiro. Muitas vezes, são exatamente esses tresloucados lados da gente que nos mantém vivos, que nos prendem à terra, que não nos deixam definhar além do fim da linha. Eu tento, a duras penas, abrir os meus baú empoeirados, deixando-os à frente dos meus passos, como uma espécie de anteparo do que sou de fato. Confesso que isso dói de certo modo, pois o mundo ainda não tem a capacidade de traduzir essas entranhas emergidas sem regurgitar com desprezo, com o pouco caso dos atores imbecis, dos mestres mancos, dos deuses farsantes. Mesmo assim, insisto em não deixá-lo no fundo do meu oceano, numa cela fria e solitária. Penso que assim posso pisar nos palcos que me concederem sem a desculpa de errar a fala, sem o flagelo de me esconder numa sombra qualquer. É assim que levo meus dias, feliz e abençoado por mim mesmo.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 11/07/2019
Código do texto: T6693776
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