MONTAGEM METAFÓRICA SEM VANIDADES
Diz o encarte que "A Vida" é a peça em cartaz a se dar em três atos: I. Nascimento, II. Existência, III. Saudade.
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E, ele adentra o recinto; a data não é outra, senão precisamente esta, dez de Julho. No anfiteatro, ele tem localização inequívoca: toma assento na fileira das lembranças. Na arena que acomoda produções baseadas na vida real a entrada é franca, inclusive, nos dias em que se reprisam danças de desígnios, comédias sazonais e dramas existenciais, sejam atuais ou ambientados no passado.
É hora! Vai começar. Atenuada a iluminação, descerram-se as cortinas e tem início a sessão.
Simultâneo expectador e ator, a tudo ele assiste e com todos interage: sorri, aplaude, chora. E, à saudosa memória, no auge da exibição, observa um instante de silêncio em tributo a sua diva, ato compulsório que seu coração impõe. Ela, em suas performances, foi capricho dos deuses e se houve aos moldes de seletas estrelas. No atuar, arrebatava a cena e era ponto de fuga das atenções; quando ovacionada - e só hoje ele o sabe - tinha ela o olhar elevado a cenários em dimensões, lá nas alturas. Agora, distante, para não mais voltar ao calor dos aplausos, para ele, na função deste dia, ela ainda dá o tom, cujo nome não foje à memória e do qual ele não se esquecerá, até que inapelavelmente e para sempre as cortinas também se lhe cerrem.
Concluído o programa, as luzes se acendem. A descida dos degraus o conduzirá à saída mais próxima.
Ele se ergue e se retira. Mas o faz abstraído pelo sentimento ímpar de que foi tomado ante a recordação de quem se consolidou num ícone junto à câmara mais reclusa de seu peito. Ausente, virtualmente ela ainda assina com suas digitais e desempenha seu número com a graça inerente de uma legenda. E, vai luzindo, a propósito e a exemplo do que ali o levou, a arte cênica; esta, que ao cabo das temporadas de cada manifestação, realiza-se nas atrações subsequentes de palcos, audiências e elencos ressurgidos, a conceber outros "scripts" que revelam novos personagens, novos embevecimentos, novos senãos, num suceder sem fim. Também, aquela, a sua vez, é continuamente aclamada, venerada a cada apresentação em plano diverso. Assim, harmoniosamente, uma e outra se fazem grandes e se perpetuam.
Afeito aos melhores espetáculos, ele é titular de ingresso cativo, e ocupará seu lugar onde quer que se encene o encontro da virtuose com a arte performática; aí, reminiscências e obra em tela se contemplam, transam-se e desempenham seus papéis, valendo-se dos respectivos méritos, sem conflitos, sem cessar. E, segue assistindo, atuando e interagindo, receptivo às incondicionais dinâmicas do fazimento, do desfazimento, do refazimento dela, a vida.