Meu amado!

Nasceu pobre em família honesta. Cresceu na simplicidade de um lar tendo pai e mãe como exemplos de sabedoria. Por sua queixada proeminente, foi perseguido nas escolas e sofreu bullying. Suas roupas eram as sobras das dos irmãos mais velhos. O sabão de sebo aplicado aos cabelos unia-os num todo brilhante.

Carregava um peso enorme dentro de si: a rejeição de sua figura. A luta interna, constante, para negar as origens e figurar o rosto, transformaram-no num jovem de certa habilidade, acostumado às tribulações, e num adulto muito talentoso.

Aprendeu a ser metódico, organizado, sistemático. Era delicado e frequentemente recaia sobre ele a suspeita sobre sua masculinidade, a despeito de ser casado, ter um filho e, segundo alguns, uma amante menor de idade.

Embora tivesse tido a oportunidade de uma formação acadêmica bastante privilegiada, sua capacidade redacional não passava do medíocre. A compensação estava na sua capacidade de oratória: surpreendentemente virtuosística. Ouvi-lo falar era um espetáculo, sobretudo porque dominava, como poucos, a arte de modular piedosamente o tom da voz, imprimindo um caráter de verdade incontestável às mais grosseiras falcatruas. Não era do segmento político; era do meio religioso. Mas, afinal, qual a diferença?

Quando adulto, foi gradativamente se especializando em ser sagaz, astuto e ladino. Era rapidíssimo nas respostas, perspicaz e sabia modular sua astúcia com um jeito tinhoso. Era perverso, mas sempre com inefável delicadeza.

Cirurgias enterraram o Zé Queixada que esteticamente acabou por ficar bem apresentável. Tinha belos olhos, rápidos, e mãos grandes que seduziam. Era todo proporcional e andava com elegante malemolência. Ia da extrema seriedade ao humor escancarado. Recitava uns bordões pinçados de cartas paulinas, quase como mantras. Era sua assinatura: um ator canastrão.

Outra de suas especialidades era dividir para imperar. Não suportava concorrência de espécie alguma: os medíocres eram descartados e os que brilhavam, expelidos. Sua habilidade para implantar lenta e gradativamente pequenas intrigas nas pessoas, de modo a provocar rivalidades e antagonismos faria inveja ao grande vilão Iago, da peço Othello, de Shakespeare.

Como sujeito psicológico era um enigma, mas uma vez decifrado, dava irremediavelmente as costas ao herói. Seus elogios, sempre públicos, faziam qualquer um se sentir no céu, mesmo quando o próprio indivíduo sabia que tudo não passava de bajulação oportunista. Na área da administração sucumbiria, pois era incapaz de atuar em equipe, exceto se ele só fosse a equipe. Certamente faria sucesso na política, pois ficou vaidoso e ganancioso, sem medida.

Se fosse uma iguaria, seria feijoada. Era ou amado ou detestado, sem meio termo. Com a mesma rapidez com que se cercava de pessoas que por ele tinham quase devoção, essas mesmas pessoas sumiam. É um caso clássico para uma boa aula de clínica psicanalítica.

Causa-me revolta constatar que parte de suas piores fragilidades são também as minhas!