Se soar clichê, desculpem-me os desavisados: mas a vida passa tão rápido que quando se vê, a última foto do porta-retrato da sala já está colada no vidro de suporte e quando você tenta retirá-la, afim de substituí-la por outra, ela fica impregnada no vidro, como se não quisesse sair de lá, mas... é arrancada, bruscamente.
Conheci D. Neide no sábado, numa visita ao hospital, 52 anos e uma alegria estampado na cara como se a sua alma fosse uma borboleta amarela em jardins de ipê. Portadora de uma doença grave e rara, jamais se abateu, aliás depois de conhecê-la, percebi que estou a anos luz de distância da chamada evolução, eis porque sou jovem, como ela diz. As condições de saúde dela são uma espécie de convite gentil feito à morte, entendo ela aceitado, sem relutar, à espera é um milagre cotidiano. Ele tem um câncer raro que não responde aos tratamentos convencionais por longo tempo, duram em média 15 dias os efeitos do medicamento e depois disso, dali novas sessões, até a chegada da D. Morte. Mãe de uma jovem, recém investida na faculdade e esposa exemplar de um senhor que carrega diamantes nos olhos, ela está de malas prontas para uma viagem à Argentina: “quisera eu ter maus tempo” disse ela, enquanto abria sua mala para se despedir provisoriamente do hospital.
Enquanto ela se maquiava, diante do espelho e fazia fotos com a equipe médica (os enfermeiros eram por ela alucinados) minha carroça estacionou ali, meio que com os burros n’água” pra me dar um tapa de luvas, enquanto reclamava do atraso do exame que daria, como periódico.
Cada vez que ela abria a boca, um autoflagelo me visitava:
- Sabe o que é mais legal de tudo isso, quando você sabe que não tem mais tempo, você nem liga mais pro tempo perdido. Aliás, tempo perdido você não tem, porque todo tempo é uma espécie de presente. Cada encontro uma satisfação e cada respiração uma vitória.
Poxa, estudei línguas, viajei pelo mundo, investi em conhecimento e ciência, dou um duro danado pra manter umavida economicamente viável, mas essa mulher, erra jovem senhora de 52 anos à beira do abismo, estava ali celebrando cada segundo como se fosse o último e no fundo era. A sua alma de papagaio livre pelo corte das linhas a fazia voar, sem receio de apedrejada, sem meias verdades, sem medo.
- Você viu, moça bonita? O Dr. Coutinho é um phitelzinho não acha? Pena quebro coração dele ficou preso às geladeiras da universidade... Mas não me incomodo não. Ele é bom médico, mas jovem demais pra compreender que a vida de todos acaba, inclusive a dele. Mas a sua distância me faz crer que nem tudo são flores. Mas hoje, como quem nunca viu algo parecido, me trouxe uma orquídea, disse que é pra eu cuidar. Mas já entendi o recado: mesmo com cuidado, se o ambiente não for propício, a orquídea morre.
Já estava lá, prestes a soltar o nó entalando a garganta, quando ela se despediu me dando um beijo e oferecendo uma oração pra acalmar a alma. O médico me chama e, ao entrar surpresa, Dr. Coutinho com os olhos cheios de lágrimas, não resisti e provoquei: a humanidade ultrapassa o peso dos livros quando o paciente toca no coração do médico não é doutor? Difícil não se envolver, difícil não deixar o coração fazer uma homenagem em silêncio, já que o médico foi treinado para ser a fortaleza.
- Hoje é o último dia de tratamento dela, o corpo não mais suporta qualquer tipo de intervenção, são dias que a separam da despedida, mas a família decidiu deixá-la vir, “como se fosse a primeira vez”, para não perder a esperança. E quando estava na sala ao lado, aguardando a sua saída para avaliar os efeitos colaterais, ela veio e me disse que sabia que não tinha recebido o tratamento, porque deixava nela marcas do tempo e estava sem elas. Eu olhei pra ela e percebi que o maior altruísmo era dela. E desabei.
- Entendi Dr., sinto muito, posso voltar outro dia pro exame?
E já me despedi com dor física na alma. Ainda mais depois de ter trocado a foto do porta retrato antes de sair. Doeu! Pousou um flashback em meu ombro e a natureza fez questão de fazer seu papel, enquanto caminhava até o carro, encontrei rostos diversos que entreolhares, traziam as mais diversas versões de mim, uns sorrisos, outros raiva, outros esperança, outros ainda desesperança, mas o de D. Neide, visto agora de longe, como que numa despedida ocular, não sai da minha cabeça.
Conheci D. Neide no sábado, numa visita ao hospital, 52 anos e uma alegria estampado na cara como se a sua alma fosse uma borboleta amarela em jardins de ipê. Portadora de uma doença grave e rara, jamais se abateu, aliás depois de conhecê-la, percebi que estou a anos luz de distância da chamada evolução, eis porque sou jovem, como ela diz. As condições de saúde dela são uma espécie de convite gentil feito à morte, entendo ela aceitado, sem relutar, à espera é um milagre cotidiano. Ele tem um câncer raro que não responde aos tratamentos convencionais por longo tempo, duram em média 15 dias os efeitos do medicamento e depois disso, dali novas sessões, até a chegada da D. Morte. Mãe de uma jovem, recém investida na faculdade e esposa exemplar de um senhor que carrega diamantes nos olhos, ela está de malas prontas para uma viagem à Argentina: “quisera eu ter maus tempo” disse ela, enquanto abria sua mala para se despedir provisoriamente do hospital.
Enquanto ela se maquiava, diante do espelho e fazia fotos com a equipe médica (os enfermeiros eram por ela alucinados) minha carroça estacionou ali, meio que com os burros n’água” pra me dar um tapa de luvas, enquanto reclamava do atraso do exame que daria, como periódico.
Cada vez que ela abria a boca, um autoflagelo me visitava:
- Sabe o que é mais legal de tudo isso, quando você sabe que não tem mais tempo, você nem liga mais pro tempo perdido. Aliás, tempo perdido você não tem, porque todo tempo é uma espécie de presente. Cada encontro uma satisfação e cada respiração uma vitória.
Poxa, estudei línguas, viajei pelo mundo, investi em conhecimento e ciência, dou um duro danado pra manter umavida economicamente viável, mas essa mulher, erra jovem senhora de 52 anos à beira do abismo, estava ali celebrando cada segundo como se fosse o último e no fundo era. A sua alma de papagaio livre pelo corte das linhas a fazia voar, sem receio de apedrejada, sem meias verdades, sem medo.
- Você viu, moça bonita? O Dr. Coutinho é um phitelzinho não acha? Pena quebro coração dele ficou preso às geladeiras da universidade... Mas não me incomodo não. Ele é bom médico, mas jovem demais pra compreender que a vida de todos acaba, inclusive a dele. Mas a sua distância me faz crer que nem tudo são flores. Mas hoje, como quem nunca viu algo parecido, me trouxe uma orquídea, disse que é pra eu cuidar. Mas já entendi o recado: mesmo com cuidado, se o ambiente não for propício, a orquídea morre.
Já estava lá, prestes a soltar o nó entalando a garganta, quando ela se despediu me dando um beijo e oferecendo uma oração pra acalmar a alma. O médico me chama e, ao entrar surpresa, Dr. Coutinho com os olhos cheios de lágrimas, não resisti e provoquei: a humanidade ultrapassa o peso dos livros quando o paciente toca no coração do médico não é doutor? Difícil não se envolver, difícil não deixar o coração fazer uma homenagem em silêncio, já que o médico foi treinado para ser a fortaleza.
- Hoje é o último dia de tratamento dela, o corpo não mais suporta qualquer tipo de intervenção, são dias que a separam da despedida, mas a família decidiu deixá-la vir, “como se fosse a primeira vez”, para não perder a esperança. E quando estava na sala ao lado, aguardando a sua saída para avaliar os efeitos colaterais, ela veio e me disse que sabia que não tinha recebido o tratamento, porque deixava nela marcas do tempo e estava sem elas. Eu olhei pra ela e percebi que o maior altruísmo era dela. E desabei.
- Entendi Dr., sinto muito, posso voltar outro dia pro exame?
E já me despedi com dor física na alma. Ainda mais depois de ter trocado a foto do porta retrato antes de sair. Doeu! Pousou um flashback em meu ombro e a natureza fez questão de fazer seu papel, enquanto caminhava até o carro, encontrei rostos diversos que entreolhares, traziam as mais diversas versões de mim, uns sorrisos, outros raiva, outros esperança, outros ainda desesperança, mas o de D. Neide, visto agora de longe, como que numa despedida ocular, não sai da minha cabeça.