As nuvens não são feitas  de algodão

 
 
Talvez, essa tal maturidade, da qual falou tão bem minha amiga Rosa Alves,  ainda não tenha me alcançado.

Enquanto olhava pela janela do avião, voltei ao tempo de criança e comecei a formar desenhos nas nuvens. De repente, veio-me à mente a imagem do seu Valdir, especificamente, o bigode dele.

Voltei ao passado, precisamente quando dividia quarto com uma colega na pensão da dona Color.

Eu tinha uns treze anos de idade e morava ali pra estudar e trabalhar. Era uma pensão somente para moças. Algumas, os pais podiam pagar por quartos melhores e com alimentação já incluída.  Eu e minha colega tínhamos que trabalhar para pagar o aluguel do quarto, que se constituía numa área de nove metros quadrados com duas camas e uma mesinha de madeira com um fogão de duas bocas. O banheiro e a lavanderia eram de uso coletivo.

O café da manhã era uma espécie de “I Food”.  Todos os dias o leite era entregue na pensão e nas casas das pessoas de um modo geral, podia ser mediante contrato ou não.  O pão francês - conhecido como pão doce ou pão de sal- era entregue pelo padeiro numa bicicleta com um cesto cheio de pães, que saia gritando: olha o pão!

Como não podia deixar de ser, esse monte de garotas juntas resultava em muita confusão: brigas de puxão de cabelo eram constantes de domingo a domingo.

Os motivos eram os mais diversos como um pente que sumia, uma piadinha boba, um olhar sugestivo ou porque alguma demorou no banho lavando os cabelos. Até os fios de cabelos que caiam ao chão era motivo para briga.


Uma briga ainda trago na lembrança. A pensão tinha um televisor de 24 polegadas, que mais parecia um caixote de tão grande e pesado, ele ficava no meio da sala e era usado para assistir ao Jornal Nacional e novelas. Eu nunca assistia, pois nunca gostei de novelas. Mas a maioria era cativa na novela das oito.

Certo dia, uma garota não pôde assistir ao último capítulo da novela das oito, que tinha terminado numa sexta – feira e seria reprisado no sábado. Acontece que outra garota resolveu contar com quem tinha ficado o mocinho da novela. Pronto! Estava ali o início do “spoiler” atual. A confusão generalizou-se, foram aos tapas e quase ficaram carecas de tanto puxão de cabelo, a televisão, se não fosse o peso, teria ido ao chão. Tempos modernos aqueles!

E onde entra seu Valdir? Bem... ele era o único açougueiro da cidade. Eu e minha colega, seguindo o que diz a ciência moderna, só comíamos carne uma vez por semana - mentira, a gente não tinha dinheiro para comprar, rs! Quando íamos ao açougue comprar carne, cerca de 100 gramas no máximo, correspondente a um bife fininho, ele já sabia a quantidade e sempre brincava dizendo: Você quer que embrulhe ou vai comer aqui mesmo?

Bem... Acho que a lembrança do seu Valdir era inconscientemente a lembrança da partida de Aragón, que  me deixou muito triste! Fez-me relembrar o tanto de amigos que já perdi para a morte e outros tantos para vida. Enquanto isso, sigo desenhando saudades nas nuvens.